Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo V | Page 6

Alexandre Herculano
para elles, impertinentes para os leitores. Move a riso ver o pobre Azurara a lidar em p?r claro como a luz do dia, com a auctoridade de S. Jeronymo, Sallustio, Fulgencio, e _casy todolos outros auctores_, que s?o temiveis as más linguas, como causa somno o observar os tractos que o illustre dramaturgo italiano dá ao juizo para nos fazer odiar a tyrannia, ácerca da qual escreveu um volume, cousa muito escusada na moderna litteratura. Todavia, em ambos elles a sinceridade das inten??es suppre de algum modo a aridez e o vazio da obra.
Posto, porém, que Azurara esteja em grau inferior a Fern?o Lopes, n?o deixou de fazer com seus escriptos bom servi?o à litteratura patria. Jo?o de Barros o tinha em subida conta, e até no estylo d'elle se comprazia. N?o assim Dami?o de Goes, que foi o primeiro em notar-lhe as affecta??es rhetoricas. Infelizmente para Azurara, Goes era melhor juiz; e a posteridade, confirmando a senten?a do perspicaz chronista de D. Manuel, rejeitou o parecer do historiador da India.

III
*Vasco Fernandes de Lucena--Ruy de Pina*
O nome de Lucena parece vir pouco a ponto em uma noticia dos historiadores portuguezes, porque d'elle n?o resta uma só pagina original sobre historia; mas julgamos dever fazer men??o de Vasco Fernandes, n?o só por ter sido um dos homens mais celebres do seu tempo, como tambem, e principalmente, por ser d'entre elles o primeiro que, depois de Azurara, teve o cargo de chronista-mór. Encarregado de varias miss?es politicas nos reinados de D. Duarte, D. Affonso V e D. Jo?o II, e vivendo, por tal motivo, a maior parte da vida em paizes extranhos, occupado, além d'isso, quando residíu no reino, em grandes negocios d'estado, n?o p?de provavelmente occupar-se dos estudos historicos necessarios para poder desempenhar as obriga??es do seu cargo, do qual fez desistencia em Ruy de Pina no anno de 1497.
Escreveu, todavia, Vasco de Lucena varias obras que, ou se perderam, ou jazem manuscriptas em parte que se n?o sabe. Da _Instruc??o para Principes_, de Paulo Vergerio, traduzida por elle de ordem do infante D. Pedro e que Barbosa diz existir na bibliotheca real, n?o achámos o menor vestigio, apesar de consultarmos um catalogo anterior, segundo nos parece, a 1807. Das outras obras suas, de que faz men??o Barbosa, tambem nenhum rasto encontramos, ao passo que existe uma, que n?o duvidamos de lhe attribuir, e que o nosso illustre bibliographo n?o conheceu. é esta uma traduc??o franceza de Quinto Curcio, feita no anno de 1468, a qual pertenceu a Philippe de Cluys, commendador da ordem de S. Jo?o de Jerusalem, e que actualmente se guarda entre os manuscriptos do Museu britannico.[2]
* * * * *
Ruy de Pina succedeu, como dissemos, a Vasco Fernandes, em 1497, no cargo de chronista-mór, postoque muito antes exercitasse o officio de historiador. Dos primeiros annos de Ruy de Pina apenas se sabe que foi natural da Guarda, mas ignora-se o anno do seu nascimento, ainda que haja algumas suspeitas de fosse pelos annos de 1440. Em 1482 diz elle que f?ra por secretario da embaixada mandada por D. Jo?o II a Castella, e o mesmo cargo serviu d'ahi a dous annos na embaixada de Roma. Parece que, voltando de desempenhar esta commiss?o, o encarregou el-rei de escrever as chronicas do reino, apesar de ent?o ser chronista-mór Lucena, o que se deprehende de uma provis?o de D. Jo?o II, em que lhe manda dar uma ten?a de nove mil e seiscentos réis ?esguardando ao trabalho e á occupa??o grande que Ruy de Pina escripv?o da nossa camara tem com o carrego que lhe demos de escrepver e assentar os feitos famosos asy nossos como de nossos regnos que _em nossos dias s?o passados_, e ao diante se fizerem[3].? Em outra provis?o lhe concede tambem seis mil réis de mantimento.
Depois d'esta epocha ainda Ruy de Pina serviu em outra embaixada a Castella e andou envolvido nos difficeis negocios publicos d'aquelle tempo, até que, succedendo na cor?a D. Manuel, n?o só lhe confirmou as mercês do seu antecessor, mas fez-lhe outras novas, dando-lhe finalmente o cargo de chronista-mór, e guarda-mór da Torre do Tombo e da livraria real.
Em 1504 tinha Ruy de Pina concluido os seus trabalhos historicos, porque n'esse anno recebeu de D. Manuel uma nova ten?a de trinta mil réis pelas chronicas de D. Affonso V e de D. Jo?o II, accrescentando a esta somma cinco moios de trigo em Ceuta e um cazal d'el-rei no termo da Guarda.
?Cheio de honras e de recompensas, diz o abbade Corrêa, que para aquelle tempo eram grandes, viveu Ruy de Pina todo o reinado de el-rei D. Manuel, alcan?ando ainda alguns annos do d'el-rei D. Jo?o III, que lhe encommendou a chronica de seu pae, que deixou adiantada até a tomada de Azamor, e de que Dami?o de Goes confessa ter-se
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