diz ao soldado, que, levado ao combate ou pela
salvação da patria ou por força irresistivel de tyrannos, a defesa da
propria vida lhe deu o direito de pôr termo á do contrário.
Os defensores da pena de morte ainda teem uma última cêrca donde
procuram repellir os tiros dos que os accomettem. Lá os iremos buscar.
Dizem que a faculdade que tem a sociedade de impor a pena última é o
direito da defesa natural transmittida pelo indivíduo á república.
Parece-nos isto fugir de um absurdo para outro. Essa transmissão acaba,
esse direito cessa, logo que o indivíduo cessa de existir: o morto precisa
acaso de defesa natural? Por outra: o indivíduo assassinado, enterrado e
talvez já corrupto, quando o seu matador é condemnado, ainda é salvo
da morte com a condemnação deste?--Onde está, pois, o direito da
propria defesa; onde está a legitimação do supplício?
Se as considerações abstractas estão contra a pena de morte, vejamos se
a necessidade, a inexoravel necessidade, que é a suprema lei das nações,
bem como dos individuos, nos obriga a conservar nos códigos esta
punição atroz. Para outro artigo guardamos a investigação deste ponto
importantissimo.
II
Considerámos já em si a pena de morte: vimos que nenhuma sancção
tinha nos principios constitutivos da sociedade; antes era, em respeito a
elles, um absurdo contradictorio. Falta examinar a questão pelo lado da
necessidade: vêr, se como quer De Maistre, todo o poder, grandeza e
subordinação repousam no algoz; e se a espada da justiça deve estar
sempre desembaínhada para ameaçar e ferir de morte. Tirai, diz aquelle
fautor e apologista do despotismo, tirai do mundo o carrasco, esse
agente incomprehensivel, e no mesmo instante a ordem se trocará em
cháos, os ermos soverter-se-hão, a sociedade desapparecerá.
É esta a linguagem de um dos mais habeis propugnadores do
absolutismo na Europa. Foi este o resultado rigorosamente logico que
elle deduziu dos seus principios politicos. Qual será a deducção de
principios contrarios, de principios liberaes? Parece que a opposta. E
com effeito foi a que delles deduzimos no antecedente artigo: vejamos
agora qual a necessidade e a utilidade social da pena de morte.
E um facto ahi está--um facto perenne e innegavel--a historia criminal
dos povos modernos, comparada com a frequencia dos supplicios. Não
falaremos de épochas de convulsões politicas; porque a exaltação das
paixões converte então o homem em anjo de heroismo e resignação, ou
em demonio de barbaria e vileza: mas consideremos os tempos
ordinarios de cada sociedade, seja qual fôr a sua fórma politica de
existir; vejamos se o cadafalso serve, em verdade, para reprimir crimes,
porque, na falta de outros meios para alcançar aquelle fim, elle seria
uma necessidade pública.
Como não é possível chamar a juizo a historia de todas as nações da
Europa, até porque escaceiam os apontamentos estatisticos desta
especie na maior parte dellas, olhemos só para a França e Inglaterra.
Na França é indubitavel que ha uma repugnancia visivel á comminação
da pena de morte: a guilhotina, tão rica de victimas durante a revolução,
quasi que se vê hoje abandonada; e se muitas vezes a brandura e a
philosophia faltam nas leis, estão no caràcter do povo, e na consciencia
dos juizes.
A Inglaterra foi no século XVIII, e ainda nos segundos dez annos do
reinado de Jorge III, o país classico da fôrca, e a pena capital, segundo
Mr. Phillips, dava a Londres umas parecenças de açougue; hoje a
Inglaterra está longe desta crueldade, mas ainda excede muito a França
no numero das execuções annuaes.
Em França, segundo um relatorio do ministro da justiça, de 1829, vê-se
que num anno, de 4475 criminosos julgados, tinham sido condemnados
á morte só 89. No anno de 1833 aquelle país, tendo crescido em
população tinha diminuido em criminosos, pois só houve 4418, dos
quaes apenas 74 foram condemnados á pena última.
Todos sabem que a população da Inglaterra é bastante inferior á da
França. A somma dos criminosos convencidos na Grã-Bretanha era de
pouco mais de 10:000 em 1829, sendo destes condemnados á pena
última 1:311. Em 1832 houve 14:947 sentenças; não sabemos quantas
de morte: mas basta-nos saber que a pena última imposta á nona parte
dos criminosos em Inglaterra, em 1829, sendo em França, no mesmo
anno, imposta á quinquagesima parte delles, não embaraçou que
naquelle país a criminalidade fosse em progresso, emquanto neste foi
em diminuição.
Que prova isto? Que o supplício nada influe nas acções dos homens:
que se devem buscar as causas que os levam a perpetrar delictos, para
as remover, emvez de erguer cadafalsos, que destroem o criminoso,
mas não impediram que elle o fosse. Um homem honrado ultrajado,
não dista um passo de ser um assassino: não espereis que elle o seja,
para depois o enforcardes: dai-lhe leis que tomem a seu cargo
desaffrontá-lo. Um
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