desgraçado, rodeado de filhos, sem ter um bocado
de pão que lhes dê, vai converter-se num salteador da via pública; não
espereis que elle o seja para depois o enforcardes: abri ao povo o
caminho de ganhar a vida na lavoura, no commercio ou na industria, e
os salteadores desapparecerão. Uma creança de tenra idade mostra
índole perversa, annuncia para a idade viril um malvado: moderai-lhe e
torcei-lhe essa índole na infancia, creando uma educação pública, que
não existe; não espereis que ella seja homem e criminoso, para depois a
enforcades: guiai bem a mocidade e os crimes rarearão.
Virá alguem com dizer que no estado actual da sociedade, existindo
essas causas de crimes que apontámos, não é possivel apagar dos
códigos criminaes as leis escriptas com sangue? Pôr esta objecção será
daqui a cincoenta annos uma vergonha: ha tambem cincoenta annos
que se julgava impossivel sustentar colonias sem o tráfico dos negros:
quem, sem córar, se atreverá a dizê-lo hoje? Ainda ha pouquissimos
séculos, os tractos e as fogueiras eram no entender de muitos politicos
instrumentos necessarios da existencia social. No tempo dos hebreus
era considerado o exterminio de raças inteiras como outro elemento da
sociedade. Se conhecessemos a historia primitiva do género-humano,
talvez lá achássemos ainda mais horriveis necessidades sociaes.
Felizmente o progresso intellectual e moral não pára: a última
preocupação das épochas de barbaridade passará: a palavra algoz
chegará a ser um archaismo: e os cadafalsos apodrecidos e roídos dos
vermes serão algum dia, um monumento dos delirios e erros do
passado.
A IMPRENSA
1838
A IMPRENSA
Se a arte do escrever foi o mais admiravel invento do homem, o mais
poderoso e fecundo foi certamente a imprensa. Não é ella mesma uma
força, mas uma insensivel mola do mundo moral, inlellectual e physico,
cujos registos motores estão em toda a parte e ao alcance de todas as
mãos, ainda que mão nenhuma, embora o presuma, baste só por si para
a fazer jogar. Imaginavam os antigos uma urna de destinos, a que os
tempos e os homens corriam sujeitos: é a imprensa a urna dos destinos
trasladada para a terra; potencia maravilhosa, formando as opiniões
sem ter uma opinião, creando as vontades sem ter uma vontade,
condensando ou dissipando forças sem ter força, arrastando aquelles
mesmos que julgam dirigi-la, paralisando e quebrando o braço
sacrílego que se lhe atreve, medrando com a prosperidade, medrando
ainda mais com a perseguição; sol novo que o homem accendeu e não
poderia apagar, sol que alumia ou aquece, deslumbra ou abrasa,
desinvolve flores e fructos, venenos e serpentes! É a imprensa o maior
facto da sociedade moderna, o que marcou a maior épocha da historia
universal, fazendo surgir a revolução mãe, a revolução das revoluções,
a revolução por excellencia. Se a civilisação progride com tanta rapidez,
a este seu invento o deve, que se tornou o seu carro triumphal, que
movido por vapor ou por electricidade, arremette com todos os
caminhos ferrados ou pedregosos, devora com igual facilidade os
plainos e os alcantis, passa por cima de todos os obstaculos e inimigos,
e lá vai para o horizonte incógnito que Deus lhe tem apontado.
Quantos milhares de cabeças na hora em que isto escrevemos se estão
em toda a superficie do globo repassando da palavra imprensa! Em
quantos infantes ou adolescentes se está formando o homem futuro, e
quanta virilidade apparelhando para grandes cousas! Quantos
centenares e milhares de pennas estão neste momento lançando para
dentro deste vaso, sempre em fervura, os mistos mais estranhos; a
verdade, o sophisma, a mentira; a impiedade ou a fé, o fel da calumnia
ou o incenso da lisonja, a caridade ou o ódio, a innocencia ou a
corrupção, a honra ou o desafôro, a animação ou o desalento, as
sementes da paz ou as da guerra! Quando se imagina esta immensa e
afogueada lida do incansavel e contradictorio espirito humano, cuida-se
estar vendo aquella temerosa magica Medéa, como no-la pinta Ovidio,
cozinhando todo o genero de drogas, para apurar o líquido milagroso
que havia de restituir a mocidade a um velho decrépito. O pau secco de
oliveira com que ella mexia o misto em cachão, reverdeceu, brotou
folhas e azeitonas, nos diz o poeta; a terra, embebendo as espumas que
do vaso transbordavam, relvou e floriu, e o caduco Eson, injectado que
lhe foi o remédio, reappareceu menino, fresco e viçoso. Sim, por arte
tal concertou Deus o mundo, que houvessem os bens de nascer da
mistura de bens e males, para que nada houvesse que fosse estreme e
absoluto mal, e nada tambem que fosse o bem perfeito antes da outra
vida.
Ao som de bençãos e maldicções vai portanto a imprensa preparando e
operando a metamorphose e renovação do orbe. A bons fins a guie
Deus, que só Deus já agora
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