Octavia | Page 7

Vittorio Alfieri
ouves?...
NÉRO.
Houve quem ousasse accusar-te de impudico amor com elle; por isto só
de novo te chamei a Roma. Prepara-te, pois, para desmentir tal
accusação, ou para receber o merecido castigo.
OCTAVIA.
Oh! quanta maldade! que horrendo trama! Onde está o meu iniquo
accusador?... Ai de mim! Louca, o que procuro? É Néro o accusador, o
juiz e o proprio algoz!
NÉRO.
É assim o teu amor! Dá expansão a todo o odio que tens no coração, se
é certo que elle ainda não transbordou todo, depois que descobri as tuas
secretas infamias.
OCTAVIA.
Ai de mim!... O que mais me resta?... Não me bastava ter sido expellida
do leito nupcial, do throno, do palacio, e até de minha patria?... Oh! céo!
só a minha reputação permanecia intacta; e isto me compensava todos
os bens de que fui privada... um dote tão precioso era-me debalde
invejado por aquella que já o não possue; agora esse mesmo querem
roubar-me antes que me privem da vida? O que te detem, oh! Néro?
Não poderás viver tranquillo, bem o sabes (se a tranquillidade cabe em
tua alma), emquanto eu existir... Faltar-te-hão porventura meios de
assassinar uma mulher fraca e desarmada? Ordena que eu seja
encerrada nas profundas masmorras deste palacio, funesto asylo da
traição e da morte, e alli manda que me tirem a vida. Ou antes, porque
com a propria mão não me assassinas?... Minha morte não só te dará
prazer, sei que ella é já necessaria! Só ella te satisfará. Já te perdoei o
assassinio de meus parentes, agora te perdôo de antemão o meu proprio:

mata, reina, mata ainda, sempre! Conheces os sangrentos caminhos do
crime... Roma está habituada a colorir os teus actos de vingança... O
que pódes temer? Commigo se extinguirá a raça dos Claudios, e
acabará assim o amor e a lembrança do povo por ella... Os deuses estão
já acostumados ao fumo do teu incenso sanguinario; pendem nos
templos signaes evidentes, horríveis offertas de cada um de teus
crimes!... são estes os teus trophéos; são teus triumphos occultos
assassinatos!... Baste minha morte para applacar-te o furor... Porque
cobrir-me de nodoa infamante, quando eu não fujo á morte?
NÉRO.
Para tua defesa concedo-te inteiro o dia de hoje; folgarei se não fores
culpada. Nada receies do meu odio, mas sim da enormidade do crime
que commetteste.

SCENA VII.
OCTAVIA.
Misera!... Néro cruel, sempre banhado em sangue, e sempre de sangue
sequioso!...

ACTO TERCEIRO
* * * * *

SCENA I.
OCTAVIA, SENECA.
OCTAVIA.
Vem, ó Seneca, vem, seja-me licito ao menos chorar comtigo; já não

me resta outra pessoa com quem possa desafogar meus sentimentos.
SENECA.
Será possivel, senhora? Que uma falsa e infame accusação...
OCTAVIA.
Tudo eu esperava de Néro, mas nunca este derradeiro ultraje, que por si
só excede tudo quanto tenho soffrido até agora.
SENECA.
Mas, não passa de loucura accusar-te de crime tão infame; a ti, modelo
vivo de amor e de fidelidade, a ti tão boa, tão modesta, tão piedosa, a ti
que, não obstante, o laço que te prendia a Néro, te conservaste pura;
será possivel que manchem tua reputação? Não, assim, não acontecerá;
eu o espero. Ainda estou vivo, eu que fui testemunha de todas as tuas
virtudes...... Roma me ouvirá proclamar tua innocencia emquanto me
restar um sopro de vida. Qual será o coração empedernido que de ti não
terá compaixão? Ah! é inutil que contes teus soffrimentos, nem
conta-los saberias... Eu sinto e partilho tuas dôres.
OCTAVIA.
É em vão que esperas, Seneca; Néro não ficará satisfeito emquanto não
houver manchado o meu nome. Tudo aqui se curva á sua vontade: tu
mesmo, te perderias e de balde. Ah! é por ti que eu tremo. É certo que
defendem teu nome conhecidas virtudes. Ah! porque não acontece
assim commigo! Mas sou joven, sou mulher e cresci, fui educada no
meio de uma côrte corrompida... Oh! céo! E podem julgar-me ré do
crime vil que me imputão! Ninguem acredita, ninguem póde acreditar
que eu tenha conservado no coração o antigo amor que consagrava a
Néro. E entretanto, sabe que o meu coração espesinhado mil vezes e de
mil maneiras, não sente maior dôr de que a de vê-lo amar outra mulher.
SENECA.

Néro ainda me conserva a vida; porque o faz, não sei; ignoro porque se
afasta de mim sorte igual á de Burrho e de alguns outros poucos
virtuosos; mas, posto que demore o momento da vingança, sei que
escreveu meu nome no seu livro de morte. Eu com minhas proprias
mãos já teria posto fim a meus dias, se não me contivese uma esperança
(esperança illusoria!) de chama-lo novamente ao caminho do bem.
Espero entretanto que me seja dado, antes de morrer, arrancar de suas
mãos um innocente...... Se fosses tu, se eu pudesse ao menos
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