Octavia | Page 8

Vittorio Alfieri
poupar-te
a infamia...... oh! morreria feliz.
OCTAVIA.
Ao entrar de novo neste palacio, perdi a esperança de viver mais tempo.
Não penses que eu não receie a morte; debil mulher, como poderia eu
ter tal coragem? Temo-a, é certo, e no entanto chamo-a de todo o
coração, e, entre gemidos, volto os olhos para ti, meu mestre, que tão
bem ensinas a morrer!
SENECA.
Ah! cala-te; assim me despedaças o coração... Ai de mim!...
OCTAVIA.
Tu só podes salvar-me, pelo menos da infamia! E vê quem me accusa...
É ella, Poppéa, quem me exprobra semelhantes amores!
SENECA.
Ó digna esposa do feroz Néro!
OCTAVIA.
Não é a virtude de certo que mais agrada a Néro; o gesto desenvolto, a
audacia são o jugo que a domina; a ternura, a meiguice, parecem-lhe
fastidiosas... Oh! quanto não fiz por agradar-lhe! Seus menores desejos
erão leis para mim, sua vontade foi-me sempre sagrada. Chorei
occultamente a morte de meu irmão, se não felicitei Néro por este

crime, tambem não ousei lançar-lh'o em rosto. Chorei longe delle; em
sua presença calei-me. Fingi acreditar que não fôra elle quem
derramára o sangue dos meus: foi tudo em vão... O meu cruel destino
quer que eu lhe desagrade sempre!
SENECA.
Porventura Néro poderia jámais amar-te, a ti que não és impia nem
cruel? Mas deixemos isto de parte, tranquillisa o espirito. Já vem
rompendo o dia. O povo, apenas souber que estás de volta, quererá
ver-te e dar-te provas de sua affeição; espero muito delle. Suas
murmurações erão já violentas quando partiste, nem cessárão durante a
tua curta ausencia. Néro é iniquo, mas é ainda mais cobarde; não ousa
realisar todos os seus desejos porque sempre teme o povo. É cruel e
orgulhoso, mas não se julga ainda bem seguro no throno; virá um dia
em que...
OCTAVIA.
Que tumulto é este? que escuto?
SENECA.
Parece ser o povo de Roma...
OCTAVIA.
Oh! céo, approxima-se deste palacio...
SENECA.
Ouço os gritos do povo em revolta.
OCTAVIA.
Ai de mim! o que terá acontecido!...
SENECA.

Nada receies; nós somos os unicos que estamos seguros neste palacio
indigno.
OCTAVIA.
Cresce o tumulto. Ah! infeliz! talvez que Néro esteja em perigo... Mas
que vejo?...
SENECA.
É Néro; ei-lo que para aqui se encaminha.
OCTAVIA.
Oh! quanta cólera brilha no seu olhar feroz! Eu tremo!...

SCENA II.
NÉRO, OCTAVIA E SENECA.
NÉRO.
Quem és tu, quem és tu mulher perfida, cuja volta provoca perturbações
no povo de Roma e cujo nome elle ousa acclamar?... O que fazias aqui?
O que planejavas com este réo, este traidor? Estás ambos em meu poder.
Em vão o povo insensato reclama a tua presença. Ah! se tiver de
mostrar-te á plebe, espero mostrar-te morta como mereces.
OCTAVIA.
Faze de mim, ó Néro, o que quizeres, mas, crê, sou innocente, não tive
parte na revolta popular. Ao povo, juro, nada peço, nada delle espero;
mas, já que contra minha vontade vos fiz mal, castiga meu crime
involuntario.
NÉRO.
Antes de punir-te, quero que todos saibão quanto és criminosa.

SENECA.
Esperas illudir o povo com mentiras tão torpes?
NÉRO.
Tu tambem, cobarde instigador de revoltas, que aqui te escondes, chefe
ignorado do tumulto popular, sentirás um dia o peso da minha cólera e
da minha vingança.

SCENA III.
TIGELLINO, OCTAVIA, NÉRO E SENECA.
TIGELLINO.
Senhor...
NÉRO.
Que novas trazes, Tigellino, falla.
TIGELLINO.
A revolta cresce de minuto em minuto; o unico recurso agora é a tua
presença. O povo, apenas soube que por ordem inesperada Octavia
voltára a Roma, quiz immediatamente vê-la. Julga, ignorante, que
mudaste de opinião; ha quem affirme que Octavia partilha de novo o
leito imperial. Alguns correm ao Capitolio, e alli manifestão sua alegria
e os votos que por ella fazem; outros coroão de louro triumphal as
estatuas de Octavia, ha tanto tempo abandonadas; outros, ebrios de
prazer, derribão as estatuas de Poppéa; outros, emfim, mais que
audazes, arrastão-as pelas ruas, gritando, amaldiçoando-a. Por toda a
parte ouvem-se contra Poppéa accusações infames; cobrem-na de
ridiculo; entoão louvores a Néro, mas querem que, pelo menos, Poppéa
seja expulsa de Roma; os mais temerarios ousão em gritos pedir a sua
morte. Ouves daqui os cantos de alegria, depois as ameaças, depois as

supplicas. Reina por toda a parte a agitação; ninguem quer mais
obedecer. Os soldados e os chefes debalde se esforção por oppôr um
dique á multidão furiosa, debalde; o povo rompe as fileiras da tropa,
espalha em torno a confusão; já houve mortes; cumpre não perder um
momento. O que deverei fazer? O que ordenas, Senhor?
NÉRO.
O que fazer?... Mostre-se Octavia ao povo, mostre-se já... e depois,
morra.
OCTAVIA.
Eis o meu peito inerme, fere, se o queres, comtanto que minha morte te
aproveite... Mostra-me moribunda ao povo revoltado; acalmar-se-ha
logo essa criminosa alegria. Só peço uma graça: sejão as minhas cinzas
guardadas
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