Obras poéticas | Page 8

Nicolau Tolentino
invernozo
Entrar na illustre Assembléa
Com
leve, ingleza cazaca,
Fina, transparente mêa;
Sem acabar cumprimentos,
Logo o corpo arripiado,
Gelada a voz
sobre os beiços,
Cahiria constipado;
E o Marcos largando os bules,
Pondo o Velho em quentes pannos,

Entre os applauzos dos vossos,
Praguejaria os meus annos;
Vossa bondade não quer
Pôr o Cortezão em risco,
De ir com Habito
de Christo,
E vir no de S. Francisco;
Acceitai dahi meus votos;
Daqui a mão vos beijei;
E dos doces que
não como,
Domingo me vingarei;
Darei escumantes copos
Ao perum, e aos môlhos seus;
Brindarei os
vossos Annos,
Tratando mui bem dos meus.
CARTA.
_Aconselhando a hum Cebelleireiro, que não continuasse a fazer
Versos_.
Pois que o talento inquieto
Até em poezia provas,
E queres ás mais
desgraças
Ajuntar desgraças novas;
Pois, que em galantes cantigas
Teu Rival puzeste razo,
E coroado

de trovas
Vás entrando no Parnazo,
Quero em trovas avizar-te,
Que ha baixîos nesta barra;
Vou ser
Prégador trovista,
Vou ser hum novo Bandarra;
A occupação de Poeta
He nobre por natureza;
Mas todo o Officio
tem ossos,
E os deste são, a pobreza;
Os dentes do bom Camões
Sejão fieis testemunhas;
Muitas vezes
esfaimados
Não achárão senão unhas;
Depois que seus frios olhos
Se fechárão no Hospital
Logo as Filhas
da Memoria
Lhe erguêrão Busto immortal;
De que serve honra tardia?
Bem sei, que o rifão vem torto;
Mas faz
lembrar a cevada,
Que se deo ao asno morto;
Só as Muzas o chorárão;
E o enterro devia ser
Como hoje nos pinta
o Lobo
O de João Xavier.
Homéro, o divino Homéro,
Honra de antigas Idades,
Por cujos
inuteis ossos
Brigárão sete Cidades;
Doces Versos recitando,
Pela Grecia discorria;
Tinha os Thezouros
de Apollo,
E esmola aos homens pedia;
Mas se de Authores antigos
Tens tido pouco exercicio,
Eu te aponto
hum bem moderno,
E até do teu mesmo Officio;
Foi este o famozo Quita,
A quem triste fado ordena,
Que a fome lhe
traga o pentem,
E da mão lhe tire a penna;
Em quanto na suja banca
Pobre tarefa tecia,
Seu espirito sublime

Sobre o Parnazo se erguia;
Cozendo sobre o joelho
Era dura, falsa cáveira,
A sua alma

conversava
Com Bernardes, e Ferreira;
Mil vezes travêssas Muzas
Da baixa obra o desvião;
E
mostrando-lhe o tinteiro,
Pós, e banha lhe escondião;
Mas de que servem talentos
A quem nasceo sem ventura?
Vale
mais, que cem Sonetos,
A peior penteadura;
Amigo, vamos errados;
Escolhemos muito mal;
He o fado dos
Poetas
Não professarem real;
Péga no pardo baralho,
E sobre a cama assentado,
Fisga as biscas
conhecidas
Ao parceiro descuidado;
Matando boçaes tafûes,
Vai mexendo os papelinhos;
Nem poupes
no cadafalso
As gargantas dos Sobrinhos;
Em lhe vendo huma de seis,
Arma-lhe os laços viscozos;
Antes que
lhe caia a xina
Na ceira dos laparozos;
Imita ondados cabellos
Co'rubro lápis na mão;
Estas pinturas dão
xina,
As da Poezia, não;
Se em roda de loiras Ninfas
Gyrão em torno teus ais,
Em quanto lhe
deres Versos,
Acharás sempre Vestais;
Fallo como exprimentado;
Fallo com peito sincero,
Póde huuma
vara de fitta,
Mais que a Ilíada de Homéro;
No sonóro bandolim
Fortuna as armas te deo;
Não ha Dama, que
rezista
A' moda do Melibêo;
Toca-lhe mil contradanças;
Mas se não tiverem Dom,
Entre ellas
não sevandiges
O Fidalgo Cotilhom;
Nestas coizas he que eu creio;
Poezia he mal fadada;
Assenta,

amigo Luiz,
Que nunca servio de nada;
Poucas Damas a conhecem;
Se a pedem, e se a festejão,
Gostão do
que não entendem,
Pedem o que não dezejão;
Inda que por moda querem,
Que lhes repitão Versinhos,
Tem por
modas de mais gosto
Convulsões, e Jozézinhos;
Huma Venus me pedio,
Por quem inda eu hoje peno,
Que lhe
fizesse hum Soneto,
Inda que fosse pequeno;
Dinheiro, invisto dinheiro,
Só em ti he que eu me fundo;
Tens o
Direito da força,
És o Tyranno do Mundo;
Amigo, escolhe hum Paralta,
Corpo esbelto, perna teza,
O chapeo
tocando as nuvens,
As fivellas á Malteza;
Ornem-lhe loiros canudos,
Pendentes com igualdade,
Tenras faces,
onde morão
A Saûde, e a Mocidade;
Chegue á bocca rubicunda
Cheirozo lenço anilado;
Dê bilhetinho
discreto,
De huma Novela furtado;
Põe da outra parte hum Ginja,
Fivella de oiro no pé,
Bom vestido
de lemiste,
Boa meia grudifé;
Com óculos no nariz,
Mas com a penna na mão,
Assignando vinte
letras
Para Londres, e Amsterdão;
E dize-me, qual assentas,
Que será o mais querido?
Apósto, que as
Damas todas
Cuidão que o Velho he Cupido.
Amigo, tenho acabado
O meu comprido Sermão;
Préguei-te as altas
verdades,
Que trago no coração;
Abre mão das Poezias,
Que nenhum prestimo tem;
E cuida em

sólidos meios
De ganhar algum vintem;
Se dizes, que contra os Versos,
Em Verso huma Carta ordeno,
E
que aqui me contradigo,
Praticando o que condemno;
A teu forçozo argumento
Respondo com Fr. Thomaz;
Faze o que o
Prégador diz,
Não faças o que elle faz.
CARTA.
Pedindo-se ao Author huma Gloza.
Menino, dizer finezas,
Só o proprio Pertendente;
Amor não póde
imitar-se,
Só o pinta quem o sente;
Se adora alguma Nerina,
Se he para ella a tal Gloza,
Que vão fazer
os meus Versos,
Onde está a sua proza?
Além disso, essa figura,
Faces tenras, e córadas,
Fallão mais
discretamente,
Que mil Cantigas glozadas;
Lenço nas pontas bordado,
Cipó, tízicas fivellas,
Sobre hum corpo
assim talhado,
Se eu gósto, que farão ellas?
Versos são mui fracas armas
Para vencer corações;
He clara a letra
redonda,
Leia a vida de Camões;
Sua divina Poezia
Teve mui curtos poderes;
Tratarão-no mal os
homens,
E inda peior as mulheres;
Pois entra de amor na estrada,
Siga nella outro farol;
Embuce-se a
huma esquina,
Soffra chuva, soffra Sol;
Erga alli o Altar do Amor;
Queime
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