Obras poéticas | Page 9

Nicolau Tolentino
alli humilde incenso;
Suba ao
alto do capote
Branco, alcoviteiro lenso;

Que importa que os Çapateiros
Dem assobio insultante,
Se os
negocios vão marchando
Com passadas de Gigante?
Cem vezes na mesma tarde
Pize esbelto a feliz rua;
Alheias cadeias
de aço,
Relogio de hollanda crua;
Vá por aqui, que por Versos
Dá em vão loucas passadas;
São
divertimento inutil,
São as historias das Fadas;
Inda que para cantallos
Lhe désse Garção a Lyra,
Como hão de
crer-lhe verdades
Na linguagem da mentira?
Seja acérrimo chorão;
Pranto entendem raparigas;
Faça em lagrimas
seu fundo,
E não o faca em Cantigas;
Palêe co'estes remedios,
Pois não tem o verdadeiro;
He elle (aqui
em segredo)
O mílagrozo dinheiro;
Mas se teima em pedir Versos,
E conselhos não supporta,
Então
perdôe, meu Menino,
Póde bater a outra porta.
CARTA.
_Agradecendo alguns pratos, que despertárão a vontade de comer_.
Senhor, a dada Perdiz,
Acerejada, e fresquinha,
Veio emendar os
estragos
Da enjoativa gallinha;
Esta ave he sempre odioza
A melancólicos dentes;
Faz lembrar
ultimos caldos
De já perdidos doentes;
He, além disto, hum cruzado
Fugido do mialheiro;
Este meu mortal
fastio
Custou rios de dinheiro;
Mas da vossa lauta meza
Bocados medicinais
Forão tão bem
applicados,
Que me curárão de mais;

Venceo vosso cozinheiro
O tal fastio cruel;
Meu estomago já pede

Meças com Fr. Manoel;
Mas, Senhor, vossa piedade
Vai ser-vos hum dom fatal;
Quizestes
fazer hum bem,
Que redunda em vosso mal;
Fizestes nascer a fome,
E a fome pede mantença;
Se a deixais
entregue a mim,
Póde morrer á nascença;
A vossa filha amparai;
Não he de peitos honrados
Pôr as suas
Creaturas
Na Roda dos Engeitados.
Em soando as duas horas,
Sabei que esta cara minha
Tem longos,
ávidos olhos,
Fitos na vossa Cozinha;
Eu não vou, porque inda fraco,
Indo arrostar ar delgado,
Antes de
matar a fome,
Morreria constipado.
CARTA
Sobre o mesmo Assumpto.
Senhor, assim que eu largar
A baetal fatiota minha,
Vou beijar as
pias lágeas
Da vossa farta Cozinha;
Não foi attento Hespanhol,[10]
Receitando amarga quina,
Quem
venceo meu mal co'as armas
Da fallivel Medicina;
[Nota de rodapé 10: Medico.]
Vós sabeis traçar receitas
Mais gratas, e mais felizes:
Curárão-me
oppostos males
Bem applicadas Perdizes;
Humas o appetite abrírão,
Outras socêgo lhe dão;
Sarárão as duas
chagas
Co'pêllo do mesmo cão:

Dizem linguas inimigas,
Que esta doença he ficticia;
E os Práticos
do meu pulso
A capitúlão malicia.
Que em meu capote abafadas
Estas goellas felizes,
Em vez de
cozerem lynfas,
Estão armando ás Perdizes;
Senhor, não devo atalhar
Este conjurado assédio;
Porque era, provar
doença,
Ingratidão ao remédio;
Só digo, que não ganhais,
Dando ouvido ás vozes suas;
Aqui
dais-me huma Perdiz,
E se lá vou, tiro duas.
CARTA.
Bom Sobral, o que eu te disse
He, a meu pezar, verdade;
Sonóros,
amenos versos,
São obra da Mocidade;
Mandaste que em Crescentini;
Louvando a doce harmonia,
O que o
Mundo diz em proza,
Eu lho enfeitasse em Poezia;
Que invocando as brandas Muzas,
Encostada ao peito a Lyra;
Cante
os ternos sentimentos,
Que elle nas almas inspira;
Môço Sobral, tu ignoras
Da inerte velhice os damnos;
Nesta fria
testa brigão,
Co'teu preceito, os meus annos:
Que importa, que a huma orelha
A tua voz respeitada
Me mande
afinar a Lyra
Ha dez annos pendurada,
Se á outra me diz Apollo,
Que eu sou já dos reformados;
Que em
seu Tribunal não tornão
A servir Apozentados?
Longa idade, he longo mal;
Velho, só he bom o Amigo;
O teu
mesmo Crescentini
Ha de provar o que eu digo:
Este homem, que a seu arbitrio
Move as humanas paixões;
Que traz

na sua voz o sceptro
Dos sensiveis corações;
Que nos deixa duvidozos
Quaes forças maiores são,
Se os encantos
da harmonia,
Ou se a viveza da acção;
Que em mim, que sou homem duro,
E rebelde ás Leis primeiras;

Que não chóro nos mais homens
As desgraças verdadeiras;
Que, insensivel, vi no Circo
Burlesco Neto arrastado
Deixar co'a
rôta cabeça
O terreno ensanguentado;
Que vejo com olhos seccos,
Com firme semblante inteiro,
Fugir-me
n'um parolim
O meu ultimo dinheiro;
Que em mim, digo, arranca pranto;
Que amolga hum peito de seixo;

Que muita vez co'chapeo
Encubro o trêmulo queixo;
Que quando dos tenros Filhos
Chorava o triste destino,
Tinha este
peito de bronze
O coração de Sabino;
Este homem, que solto o panno,
Vivas vem á força ouvir;
Se cantar
de hoje a déz lustros,
Em vez de chorar, faz rir;
Sobre os levantados áres
A envergonhada Harmonia,
Batendo
apressadas azas,
Do seu Filho fugiria;
E o Jeronymo estendido[11]
Co'as pernas nos tamboretes,

Cabeceára entre as rimas
Dos ociozos bilhetes;
[Nota de rodapé 11: O Vendedor dos bilhetes.]
E cuidavas tu, que a foice
Que a taes dons ha de pôr fim,
Que ha de
ferir Crescentini,
Me tinha poupado a mim?
Se eu hoje fosse aos Oiteiros,
Onde já tive elogios,
Dir-me-hião
crueis verdades
Mil sinceros assobios;

Este Genio dos Poetas
He fugitivo, e mesquinho;
A' primeira cam
nos deixa
Na ametade do caminho;
Não he irmão do teu Genio,
Este estende mão segura;
Acompanha
os seus Valídos
A' borda da sepultura;
Fará que sempre as desgraças
Em tristes peitos emendes;
Que sigas
sempre os exemplos,
Que dentro de caza aprendes;
Lastima, pois, minhas rugas,
Que até me cauzão o mal
De faltar ao
teu preceito,
E a louvar hum homem tal;
Mas vasto, cheio Theatro,
Que elle encalma em tempo frio,
Falla
melhor, que dez Odes,
He mais util elogio;
E nelle estas velhas mãos
Co'as forças que nascem d'alma,
Darão,
em lugar de Versos
Muito pinto[12], e muito palma.
[Nota de rodapé 12: Cruzado novo.]
CARTA
_A huma Senhora, que em bons Versos pedio ao A. a Sátyra do
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