Obras poéticas | Page 6

Nicolau Tolentino

Mal os homens conheceo
Pura amizade enganada,
O santo rosto
escondeo,
E tornou-se envergonhada
Para o Ceo, donde desceo;
O amigo que te rodeia,
Véste das tuas paixões;
Com ellas te
lizonjeia;
São raros os corações,
Em que dôa dor alheia;
Quando acertares de ler,
Que houve entre homens união,
O Escritor
a quiz fazer;
Não os pintou como são;
Mas como devião ser;
São coizas imaginadas
Dos Nizos o amor profundo;
São fábulas
bem contadas;
Ou os não houve no Mundo,
Ou não deixárão
pégadas;
Puro amor, limpa verdade,
Só entre Esposos estão;
Desce a elles a
Amizade;
Traz-lhes co'a santa união
Huma só alma, e vontade;
Communica á Espoza amada
Teus mais internos cuidados;
E vive
em paz descançada
A vida dos bem cazados,
Vida bemaventurada;
Sem receio de perigo
Dorme sono saborozo;
Que não tens junto
comtigo;
Lisonjeiro suspeitozo,
Traidor, com rosto de amigo;
Tens por doce companhia
Aquella, que o justo Ceo
Com mil
virtudes te invia;

Tu es o cuidado seu,
E como seu, te vigia;
Goza em socego profundo
Tão pura felicidade;
Tens hum thezoiro
fecundo;
Tens amor, tens amizade,
Tens todos os bens do Mundo.

E se ha entre homens desvelo
(Coiza que aqui contradigo)
Conta
com hum, que he singelo;
E foi sempre teu amigo,
Quanto os
homens podem sêlo.
CARTA
_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde D.
Jozé de Noronha, hoje Marquez de Angeja_.
Senhor, eu não sou culpado;
Traçar outros Versos quiz;
Mas tenho
perdido o trilho
Com as Trovas do Luiz;
A Muza, que ha pouco as fez,
Outra rima não me inspira;
Por mais
que mordo nas unhas,
E que em vão tempéro a Lyra.
Acceitai meus bons dezejos;
E como homem de razão
Não
desprezeis baixos Versos,
Quando os dicta o coração;
Minhas fiéis expressões,
Filhas de amor, e saudade,
O que não tem
em poezia,
Lhe vai supprido em verdade.
Em quanto co'as soltas vélas,
Forçadas do vento rijo,
Demandava a
Galeota
Os areaes do Montijo;
Em quanto ao Principe Augusto
O patrio Téjo se humilha,
E sobre
os rasgados hombros
Lhe leva a soberba quilha;
Meus olhos, meus tristes olhos,
Nas aguas seguindo a esteira,
De
lagrimas se arrazavão
Sobre as praias da Junqueira.
Dentro do cansado peito
Se ateou crua peleja;
Senti huma guerra
viva
De saudades, e de inveja;
Não era de baixa inveja
Affecto grosseiro, e injusto;
Era invejar ao
Creado
Ir junto a seu Amo Augusto.

Senhor, não sou atrevido;
Ha lugares derradeiros;
O meu dezejo me
punha
Entre a chusma dos Remeiros;
Com as faces açoitadas
Dos agudos ventos frios,
Entre os borrifos
das ondas,
E as pragas dos Algarvios;
A Apóllo pedindo a Lyra,
Que só para isto invéjo,
Chamára das
frias grutas
As loiras Filhas do Téjo;
Que escutando o som divino
Entre as húmidas moradas,
E
levantando nas ondas
Suas cabeças doiradas;
De tal Hospede soberbas
O lenho rodearião;
E as aguas co'branco
peito
A' porfia lhe abririão;
O fatídico Protêo,
Cheio de saber divino,
Revelára ao novo Heróe

Os segredos do Destino;
Famozas acções cantára,
Levantando a sábia voz,
Moldadas sobre
as historias
Dos Augustos Pais, e Avós:
Mas, Senhor, a minha Muza
Sem tino ao ar se remonta;
E vai-se
mettendo em obra,
De que não póde dar conta;
Esta levantada empreza
Até a Boileau deo sustos;
Dizia que só
Virgilios
Podião louvar Augustos;
He queimar-lhe baixo incenso,
Cansallo com Versos frios;
Amor
respeitoso, e votos
Serão os meus elogios:
Vós, Illustre Villa Verde,
Com quem sempre me hei achado,
Fazei
que seja o meu nome
A seus ouvidos levado;
Se lhe der acolhimento,
Sigamos de Horacio as traças,
Façamos que
a par das Muzas
Marchem as rizonhas Graças;

Dizei-lhe, que na Folhinha,
Com letras doiradas puz
Aquelles
formozos dias
Das escadas de Quéluz;
Aquelles dias ditozos,
Quando a seus pés ajoelhado,
Era ao abrigo
das Muzas
Benignamente escutado;
Quando, tendo já traçado
Melhorar-me os meus destinos,
Se
dignava perguntar-me
Como estavão os meninos.
Quando me mandou, que em verso
Contasse como escapára

Naquelle funesto encontro
Dos taes Carreiros da Enxára;[8]
[Nota de rodapé 8: Allude ás Decimas.]
E se inda o favor mereço
De tão alta Protecção,
Dizei, que mudei de
Officio,
Porém de ventura, não;
Que não me enganão zumbaias
Dos humildes Supplicantes;
Porque
a bolsa mais sincera
Trata-me inda como dantes.
Que inda os cães atrás do Russo
Esperão nelle a merenda,
Quando
eu vou para Lisboa
Fazendo Versos, e renda;
Que dando aos oucos ilhaes,
Vai marchando triste, e só;
Que as
mais seges fazem sécia,
Porém que a minha faz dó;
Que até o boçal Gallego,
Que eu tinha por innocente,
Já me
conhece a fraqueza,
E já me revíra o dente;
Depois, que as vélas de cebo
Já cerceia no topete,
E vai conquistar
o Bairro
De polainas, e colete;
Depois que em chapeo de Braga,
Que só põe em dia claro,
Cozeo
em devota rosca
Candêa de Santo Amaro;
Depois que em déstros meneios
O suado corpo bole,
E abre guerra

ás Cozinheiras
Ao som da Gaita de fole;
Já responde focinhudo,
E eu me cálo as mais das vezes;
Porque,
pelos meus peccados,
Sou réo de huns poucos de mezes:
Mas, Senhor, este Epizódio
Vai sendo dos arrastados,
O Gallego
veio nelle,
Como me vai aos recados;
Se o julgardes enfadonho,
Ao Principe o não conteis;
Nos factos da
minha vida
A' vontade escolhereis;
Pintai-lhe a triste familia,
Gritando-me por dinheiro;
Hoje o rol de
hum Alfaiate,
A' manhã o de hum Tendeiro;
Pintai-lhe hum Procurador,
Que aqui vem todos os dias
Saber da
minha saude
Da parte das Senhorias;[9]
[Nota de rodapé 9: Das Cazas.]
Enfeitai de côr alegre
A funesta narração;
Marchão ás vezes os
rizos
Ao lado da compaixão;
E pois que
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