Obras poéticas | Page 5

Nicolau Tolentino
levou o brio.
Debaixo da Zona Ardente
Jurar-te-hia amor, e fé;
Mas não tem
culto na Europa
As Deidades de Guiné;
Se ás vezes te ponho os olhos,
Não he de amor sinal certo;
São
dezejos de levar-te
A' caza de João Alberto.[6]

[Nota de rodapé 6: Comprador.]
A engomada cazaquinha
Te descobre novas faltas;
Para outro corpo
foi feita,
Dizem-no as feições mais altas.
Já n'outros pés teus çapatos
Soffrêrão do tempo o açoite;
Cansada,
fendida sêda,
Mostra dedos côr da noite;
E pois que a Amor queres dar-te,
Eu te aponto hum Xafariz,
Onde
aches dignos amantes
Assentados em barris;
Acharás o Pai Francisco,
Homem a bulhas contrario,
Já duas vezes
Juiz
Na Irmandade do Rozario;
Acharás o forro Antonio,
Que o tabaco, e vinho enjôa;
E tem nos
calmozos Junhos
Caiado meia Lisboa;
Verás esbelto Crioilo,
Dado ao vento o peito nû,
Levantando
airosos saltos
No manejo do barubû;
Que ávidos cães enxotando,
Tem, com braço arregaçado,
Nas êrmas
praias do Téjo
Cem cavallos esfolado;
Nestes, vaidoza Domingas,
Assenta bem teu amor;
Chovão settas
de teus olhos
Em peitos da tua côr;
Vai da janella da escada
Acolher, com doce agrado,
Os suspiros que
te envião,
Ao som do londum chorado;
E deixa de atormentar-me
Com tuas loucas idéas;
Também sinto
dores proprias,
E escuto pouco as alhêas;
Sim, Domingas, nós marchamos
Na mesma infeliz estrada;
E do
amor, que eu te não pago,
Assaz estás bem vingada;
Tu puzeste em mim teus olhos,
E eu fui pôr em Marcia os meus;


Que me paga mil extremos,
Assim como eu pago os teus;
Marcia, que em alçando os olhos,
Mil settas nesta alma crava;
E em
cuja caza tu tens
A dita de ser escrava;
Tens-me a mim por companheiro;
Temos o mesmo Senhor;
Tu, por
cazos da fortuna,
Eu, por castigo de Amor;
E pois que eu não posso amar-te,
Seguirás melhor esteira,
Se de
meus ternos suspiros
Quizeres ser mensageira;
Em vendo que ella está só,
Vai-lhe expôr a paixão minha;
Eu peço a
Amor, que entretanto
Tóme conta na cozinha;
Amor lavará teus pratos,
E escumará a panella,
Em quanto tu a seus
pés
Dizes, que eu morro por ella;
Teus grossos, trombudos beiços,
Lhe vão expôr meus cuidados;

Hão de ser melhor ouvidos,
Que sendo por mim contados;
Pinta-lhe as lagrimas tristes
Em que meu rosto se lava;
Por hum
infeliz cativo
Peça huma ditoza escrava;
Dize-lhe, que não se assuste
De meu cabello nevado;
Jura-lhe que
não são annos,
Mas penas, que me tem dado;
Que a cauza das minhas rugas
He o seu desabrimento;
E vai da
minha velhice
Fazer-me hum merecimento;
Ah Domingas, se em seu peito
Me fazes achar piedade,
Tambem eu
juro fazer
A tua felicidade;
E pois que o teu coração
Sómente he baixo, e grosseiro,
Em preferir
liberdade
A tão feliz cativeiro;
Por amor serei mesquinho;
Meus gastos verás cortar;
Para ajuntar-te

quantia
Com que te possas forrar;
Cheia de teus beneficios
Minha mão agradecida
Te irá pôr em larga
praça
Rendozo modo de vida;
E assentada em novo estrado,
De fasquiada madeira,
Ondeando ao
som do vento
Trémulo tecto de esteira,
Teus negros, airozos braços,
Chocalhando hum assador,
Encherão
famintos peitos
De castanhas, e de amor;
Terás bojudas tigellas
Sobre incendidos tições,
Onde fêrvão em
cardumes
Saborosos mexilhões;
Teus doces, sonóros écos,
Sem mentir, apregoaráõ
O azeite de
Santarem,
O cravo do Maranhão.
Domingas, segue esse rumo;
Que teu amor reloucado,
Sem te fazer
venturoza,
Me deixa a mim desgraçado;
E se sem dó dos meus ais,
Teimas nos projectos teus,
Fallando nos
teus amores,
Em vez de fallar nos meus;
Trocando boa amizade
Por entranhado rancor,
Vou descubrir teus
intentos
A teu austéro Senhor;
Que em zelo honrozo inflammado,
Sem ser precizo atiçallo,
Vai a
caza do Lagoia[7]
Trocar-te por hum cavallo.
[Nota de rodapé 7: Comprador]
CARTA
A hum Amigo, louvando-lhe o estado de cazado.
Foi este o ditozo dia,
Que te deo a Espoza bella;
Doce, sólida

alegria,
Para ti, junto com ella,
No mesmo berço nascia;
Por tua maior ventura,
Natureza lhe quiz pôr,
Entre os Dons da
Formozura,
Outro dote inda maior,
Que he, alma innocente, e pura;
Eu sei teu costume antigo,
A Mulher, que he só formoza,
Não vale
tudo comtigo;
Soubeste escolher Espoza,
Em quem tens Espoza, e
Amigo;
Quer sempre ter hum Senhor
Nosso humano coração;
E na ventura
maior
Inda sente em si hum vão,
Que só enche o casto amor;
De quantos males te eximes,
Dando ao teu tão bom Senhor?

Damnozas paixões reprimes;
Recebes das mãos do Amor
Os
prazeres, sem os crimes;
Céga mocidade errada,
A' conjugal união
Quiz chamar vida cansada;

Diz que he triste escravidão,
De mil pensões carregada.
Chama á paz hum dissabor;
Diz, que de susto, e desdens
Se
alimenta o Deos de Amor;
E que a certeza dos bens
Lhes diminue o
valor;
Fechão olhos á verdade,
Caminhando apôs seus erros;
E em falsa
tranquilidade,
Ao som de pezados ferros,
Vão cantando liberdade;
Mil remórsos na alma estão,
Que inda que o rosto os suffoca,

Roendo as entranhas vão;
Que importa rizo na boca,
Se ha punhaes
no coração?
Amor he fogo sublime,
Que nas almas se accendeo;
As outras
paixões reprime;
Elle he dadiva do Ceo,
O abuzo he que o faz ser
crime;
Beija, Amigo, os teus grilhões;
Hum para o outro erão feitos

Os
vossos bons corações;
Crava em vossos ternos peitos
Santo Amor

os seus farpões;
Onde achas pessoa estranha,
Que não contrafaça o rosto,
Porque vê,
que assim te ganha?
Quem he que na pena, ou gosto,
Com verdade
te acompanha?
Contas teus cazos sem medo
A quem por amigo passa;
Fiaste-te em
rosto lêdo;
Foste no meio da praça
Assoalhar teu segredo;
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