Obras poéticas | Page 4

Nicolau Tolentino
Formoza Alegrete,
Que depois de erguida a meza,
Ficavas
co'as velhas Aias
De mágicos filtros prêza;
Quando eu a teus pés contava,
Mentirozo historiador,
Ora a do
Caixão de vidro,
Ora a das Cidras do amor;
Quando os mesmos tenros annos
A tua Filha contar,
Todos os dias
virei
Meu officio exercitar,
E em tanto, a pezar do tempo,
Que a fronte me vai gelando,
Com a
rouca Lyra ás costas
Pelo Parnazo trepando:
Vou sentar-me entre os Loireiros,
Que réga Castalia fria;
Onde
revôam em bandos
Os genios da Poezia;
E co'a testa descuberta
A' viração bemfeitora,
Traçarei mais dignos
versos
Do que estes, que ouvis agora;
Com tempo os irei fazendo;
O Deos também me fez ver,
Que sobre
este mesmo assumpto
Tenho muito que escrever.
_Na occazião em que o A. hia ver o Varatojo_.
Meu Amigo, duro Amigo,
Fatal, rígido Banqueiro,
Motivo dos
meus pezares,
Herdeiro do meu dinheiro;

Em taes termos me deixaste,
Que sou deste rancho o nôjo;
E co'as
lagrimas nos olhos
Parto para o Varatojo;
Por ti filho da pobreza,
Irei ser naquelle mato,
Qual foi São
Sebastião,
Não na vida, mas no fato;
Vai tu seguindo a fortuna,
E leva a bandeira alçada,
De tarde na
laranginha,
A' noite na Arrenegada;
Até que voltando a roda,
Mande teu fado inimigo,
Que deixes
crescer as barbas,
E venhas viver comigo:
Vem, e traze o teu baralho,
Ministro dos meus destroços;
Farei do
vicio virtude,
Apontando a Padres nossos;
Vem viver entre altas brenhas;
Vem curtir as minhas dores;
Traze o
pranto dos Parentes,
Traze as pragas dos Crédores.
Não falla vão Agoureiro,
De cujas palavras rias;
Meus trabalhos me
fizerão
Mestre nestas profecias.
Não te fies em ventura;
Quem joga, tem o meu fim;
Outrem te dará
os gostos,
Que tu me tens dado a mim.
_Resposta a huma Carta, que em boa Poezia citava o A. por huns
Versos, que tinha promettido_.
A tua polida Carta,
Que honrou hum Poeta razo,
Escrita em pura
linguagem,
E assignada no Parnazo;
Da mais injusta ambição
Traz testemunhos fieis;
Possues grossos
thezoiros,
E citas-me por dez reis?
Quem do doce Anacreonte
Bebeo o estilo divino,
Quer prostituir
seus olhos
Co'as Trovas do Tolentino?

Pago, em fim, divida louca;
Mas quem quer pontualidade,
Cuide
tambem em pagar
As dividas da Amizade;
Sabes que intento imprimir;
E porque o Povo não fuja,
Sabio
Amigo, emenda, risca,
Põe sabão na roupa suja;
Não te vendo falso íncenso;
Es Juiz da Confraria;
Oxalá que altos
negocios
Se tratassem em Poezia;
A Paz, a fugida Paz,
Voltára seu alvo cóllo;
E dera brandos ouvidos

A' branda Lyra de Apollo;
Reziste humana cabeça
A' mais discreta razão;
Mas ao poder da
harmonia
Não reziste o coração:
Faze, pois, o que eu te peço;
Que inda que ha vótos diversos,
Se lhe
pões a tua lima,
Quem morderá nos meus Versos?
Dá-lhe, depois, teus louvores;
Comprará toda Lisboa,
Se huma vez
te ouvir dizer =
Que comprem, que a Obra he boa;
Farta-me a bolsa; e se queres
Ver tambem minha alma farta,
Manda
riquezas de Athenas
Embrulhadas n'outra Carta.
_Offerecendo hum Perum em caza, aonde todos os Domingos davão ao
A. este prato_.
Senhora, tambem hum dia
Entrarei co'a frente erguida;
Não serei na
vossa meza
Dependente toda a vida;
Nem sempre abatido pejo
Dirá nesta cara feia
Quanto doe a hum
peito altivo
Matar fome em caza alheia;
Airozo, gordo Perum,
He meu soberbo prezente;
Traz inda as
pennas molhadas
Co'pranto da minha gente;

No Santo Dia esperavão,
Quebrando antigo jejum,
Cravar
inexpertos dentes
Neste primeiro Perum;
A russa, magra Jozefa,[3]
Ergueo queixume sentido;
Custou-lhe
mais esta auzencia,
Que a do defunto Marido.
[Nota de rodapé 3: Creada.]
O loiro, alvar galleguinho
Chegou aos olhos seu trapo;
Tinha vistas
sobre a carne,
E muitas mais sobre o papo.
Seu almôço requerendo
Em luzindo a madrugada,
Na esquerda,
grossa fatia
D'ambas as partes barrada;
Na dextra, com branda cana
O seu pupîlo guiava;
Em tenras,
públicas malvas,
Para si o apascentava;
Quando lhe mandei trazer-vos
O bom companheiro seu,

Pedindo-me côxos mezes,
Me disse, que o trouxesse eu.
Eu o trago; a offerta he pura,
Mas a tenção a envenena;
Traz
escondida huma uzura,
Maior, que a da meia sena.[4]
[Nota de rodapé 4: Partido de jogo.]
Com hum sorrizo acceitai
O atraiçoado convite;
Vem a morrer
huma vez,
Porque muitas resuscite.
Curai todos os Domingos
A minha doença interna;
Sobre a meza
milagroza
Seja esta ave, huma ave eterna;
De outra, que finge a Poezia,
Trocai em verdade a pêta;
E seja hum
negro Perum
A Fenis deste Poeta;
Na ondada, pia toalha,
Co'a benção da vossa mão
Seus frios,
despidos ossos,
De carne se cubriráõ;

Consenti, que este ouco peito
Ao prodígio se consagre;
E que
dentro em si colloque
A mór parte do milagre;
Quanto ao Padre Prégador,[5]
Meu voto he não convidallo;
Porque
ha de comer o assumpto,
Muito melhor que prégallo.
[Nota de rodapé 5: Capellão da Caza.]
A huma Preta, que pertendia que a obsequiassem.
Domingas, debalde queres,
Nesse canto da Cozinha,
Vencer a
invencivel teima
Da rebelde carapinha;
Em vão te arripia a frente,
De que zomba o Deos de Amor,
Alvo
côto de pomada,
Furtado do Toucador;
Debalde tufado laço
De atadeira fitta Ingleza
Te assombra a lêveda
pôpa,
Rissada por natureza.
Debalde altêas as ancas,
Esguias, e enganadoras,
Co'as velhas
algibeirinhas,
Que vão deixando as Senhoras,
Amor, fingindo dotar-te,
Te poz, com traidora mão,
Junto dos
dentes de neve,
Faces tintas de carvão;
Inda que ancião pezado,
Desprézo teus vãos intentos;
Debaixo de
murchas cans
Nutro altivos pensamentos.
Vejo a quebrada madeixa
Já tornada em gêlo frio;
Tudo o tempo me
levou,
Mas não me
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