el-rei D. Manoel e
outros bemfeitores. Ficou o templo com trez naves, e tinha uma
capella-mór artificiosamente lavrada, obra de muita estimação e
riqueza.
O padre Carvalho, na _Chorographia Portuguesa_[13], dá larga noticia
d'esta egreja depois de reconstruida.
[13] Tomo III, pag. 445 e seguintes.
Junto ao templo, e com serventia para elle, havia o hospital do Santo
Espirito, que albergava permanentemente doze pessoas necessitadas,
entre as quaes «dez mulheres donzellas ou donas viuvas de boa vida».
A bem dizer, era mais um recolhimento do que um hospital.
E assim foi até o anno de 1672, em que os padres da Congregação do
Oratorio, que se tinham instituido alli perto, no sitio das Fangas da
Farinha, á rua do Almada, tiveram auctorização para tomar conta do
hospital do Santo Espirito, onde passaram a estabelecer-se dois annos
depois.
Alli permaneceram os oratorianos, tranquillos e contentes. Mas por
occasião do terremoto de 1755 a egreja e convento arderam,
perdendo-se os preciosos haveres d'aquelles padres. A congregação
transferiu-se então para o convento das Necessidades, que é hoje
palacio real.
Ficaram apenas de pé as paredes dos dois edificios incendiados.
No frontispicio da egreja havia grandes columnas de cantaria, que o
leitor ainda hoje pode ver... aonde?
Aonde? Não em outro templo, mas na fachada de um theatro, porque as
pedras tambem teem seus fados. Estas transitaram, por caprichoso
destino, do sagrado para o profano. Estão agora na frontaria do theatro
de D. Maria II; são as mesmas columnas da egreja do Espirito Santo.
O leitor não acreditaria esta noticia, se eu não pudesse comproval-a
com um documento authentico.
Mas posso. Ahi vai o documento, que, por ser curioso, não quero que
fique esquecido entre os meus papeis velhos:
«Ministerio do Reino--3.^a Repartição--Havendo Manuel José
d'Oliveira, actual proprietario do edificio da supprimida Casa do
Espirito Santo da Congregação do Oratorio, cedido as grandes
columnas de cantaria e seus capiteis, que ornão o frontispicio d'aquella
Igreja, para serem empregadas na fachada do novo theatro nacional,
que se projecta fazer; com a condição de que não seja feito á sua custa
o descimento e conducção das mesmas columnas: Manda Sua
Magestade a Rainha, que o Conselheiro Fiscal das Obras Publicas faça
preparar todo o apparelho necessario para aquelle descimento,
combinando com o mencionado Manuel José d'Oliveira a occasião e
dia em que elle deve ter logar; fazendo depois conduzir as ditas
columnas e capiteis para o Arsenal da Marinha, onde achará as ordens
necessarias para serem recolhidas e depositadas até que se lhes dê o
indicado destino: devendo outrosim o mesmo Conselheiro Fiscal dar
todas as providencias para que, tanto no acto do descimento, como no
da conducção, não soffram o menor damno as columnas e
particularmente os lavrados de seus capiteis. Palacio das Necessidades
em 9 de janeiro de 1836. (assignado) _L. M. S. de Albuquerque_».
Pois não é interessante o destino d'estas columnas?
Procurei saber quando foi que entraram em deposito no Arsenal de
Marinha, e quando sahiram de lá para o theatro.
Metti de empenho o meu illustre amigo sr. conde de Paço d'Arcos, que
gentilmente, como sempre costuma, se interessou pela minha
solicitação. Fez-se a pergunta ao Arsenal. Passaram mezes. Não veiu
resposta. Não era negocio de expediente ordinario; ficou para traz. Pois
deixal-o ficar; eu é que vou andando para deante, já aborrecido de
esperar.
E agora tornemos ao nosso poeta.
IV
A popularidade de Antonio Ribeiro o Chiado proveiu não tanto da sua
veia poetica, aliás muito apreciada pelos entendidos, como das suas
repetidas tunantadas, de que o povo tinha directo conhecimento, porque
as presenceava em plena rua.
Era entre o povo, entre as classes humildes de que elle provinha,
porque lá diz Affonso Alvares no proposito de deprimil-o
Nasceste de regateira
e teu pai lançava solas;
era entre a arraya miuda que o Chiado localizava o theatro das suas
façanhas picarescas, dos seus feitos esturdios, das suas «partidas» e
«piadas», como hoje dizemos.
Um códice do Archivo Nacional, de que só agora tive conhecimento,
revela algumas das suas estroinices e chalaças, que não ficam a dever
nada ás mais gaiatas e desbragadas de Bocage.
O codice a que me refiro tem o n.^o 1817 e o titulo--_Diversas historias
e ditos facetos a diversos propositos._
É uma interessante collecção de anecdotas, que deve ser anterior ao
anno de 1617 e pertenceu á livraria do mosteiro de S. Vicente.
Vamos passar em revista as paginas que n'essa miscellanea dizem
respeito ao Chiado; e, onde fôr preciso, lançaremos um véo por
decencia sobre as anecdotas que entrarem no dominio da pornographia.
É claro que a palavra--véo--não promette mais do que um anteparo
diáphano.
Quiz o poeta comprar a uma regateira um peixe de estimação.
Offereceu-lhe apenas 7 réis e meio. Volveu-lhe a regateira por
escarneo:
--Tomal-o-heis com um trapo quente.
N'esta resposta havia tanto desdem,
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