O poeta Chiado | Page 4

Alberto Augusto de Almeida Pimentel
poço do chãao e parten (_as casas_)
de hûa parte cõ a albergaria dos tanoeiros da outra cõ casas de S.
Vicente de Fora etc. e da outra cõ casas dos banhos do espitall de dona
maria de aboym etc. e com Rua pubrica». T em a data de 1467.
Na _Lisboa antiga_, de Julio de Castilho, vol. VI, vem um fragmento
da planta traçada por José Valentim, e ahi se póde vêr claramente qual
era a situação da calçada de Pai de Nabaes em relação á rua Direita da
Porta de Santa Catharina.
[Ilustração: Planta do Chiado por José Valentim]
Por este fragmento, que reproduzimos, reconhece-se que a calçada de
Pai de Nabaes ficava ao fundo do Chiado actual, entalada entre o
palacio do conde de Valladares e a egreja do Espirito Santo, e que foi
do predio ahi situado, onde residira Gaspar Dias, que se alastrou o
nome de Chiado para um trecho apenas da rua Direita da Porta de Santa
Catharina, conservando esta rua o seu antigo nome desde a Cordoaria
Velha[10] até propriamente á porta de Santa Catharina, isto é, até ao
Loreto moderno.
[10] A Cordoaria Velha correspondia á rua de S. Francisco, hoje rua
Ivens.
Seria em casa de Catharina Dias a Chiada que o poeta Antonio Ribeiro
se hospedou. Não podêmos admittir que fosse o marido d'ella que désse
o nome á rua, a qual no tempo da viuva ainda tinha a designação antiga

e total--de rua Direita da Porta de Santa Catharina.
Pode ser que o poeta recebesse da propria casa de Pai de Nabaes, como
seu hospede ou freguez, a alcunha de Chiado, tanto mais que esta
alcunha lhe quadrava como astuto e ladino, e que elle, segundo uma
accusação de Affonso Alvares, se dava a frequentar lojas de bebidas:
E tu queres ser rufião
e beber como francez.
Pode ser que fosse parente, adherente ou intimo da viuva de Gaspar
Dias, e que por parte do povo tambem houvesse malicia em dar ao
commensal a alcunha que pertencêra ao marido.
A tradição diz que o poeta morou n'aquella rua e, segundo a maior
certeza possivel, parece poder agora ficar assente que foi elle, pela
notoriedade de que gosou, devida a suas ribaldarias e veia comica, que
deu o nome á rua.
É menos admissivel a hypothese de que o poeta, por singular
coincidencia, fosse um dos Chiados do Alemtejo, apesar de ter nascido
no districto de Evora, onde, na cidade capital do districto e na villa de
Montemor-o-Novo, existia aquelle appellido. No Alandroal, cêrca de
seis leguas ao sul de Evora, ha um _monte_ (casa de habitação de uma
herdade) que tem o nome de--Chiado[11]--e um logar
chamado--Chiada. No districto de Faro (Algarve) tambem ha um logar
com a denominação de--Chiado,--como se vê da _Chorographia_ de
Baptista. Chiado é, pois, um vocabulo do sul. Mas tanto o poeta como
seu irmão Jeronymo, tambem poeta, assignavam apenas o
appellido--Ribeiro. O que me leva a crêr que Chiado fôra alcunha posta
a Antonio Ribeiro, bem assente n'elle, que a merecia; e por ser alcunha
a precediam de um artigo.
[11] Situado a dois kilometros da villa. Haverá um seculo pertenciam
este _monte_ e herdade a um individuo chamado Pedro Gonçalves.
Passando de paes a filhos, veio a propriedade a pertencer ao pai do sr.
Martins, do Redondo, actual proprietario.
Em resumo: antes do poeta a rua não tinha o nome de Chiado[12].

[12] Fica, pois, documentalmente contradictada a opinião, tantas vezes
repetida, de que o poeta recebeu o nome da rua. Ainda recentemente
disse a _Encyclopedia portugueza illustrada_: «Indo para Lisboa (o
poeta), foi morar para o Chiado, e d'ahi o ser conhecido por este
nome.» É verdade que a mesma _Encyclopedia_ tambem diz que o
Chiado escreveu varios autos, sendo conhecidos dois: _Auto de
Gonçalo Chambão_ e _Auto da natural invenção_.» justamente estes
dois é que ninguem tem podido vêr. Dos trez que publiquei em 1889,
não fala: esses então é que são os desconhecidos!
III
Já agora seja-me permittida uma divagação, que reputo interessante, a
respeito do sitio do Chiado, que o nosso poeta tornou famoso.
Eu disse que a calçada de Pai de Nabaes ficava entalada entre o palacio
do conde de Valladares e a egreja do Espirito Santo da Pedreira.
«Da Pedreira», porque os alicerces d'este edificio foram assentes no
alto da escarpa, que impendia em tempos remotos sobre um esteiro do
Tejo, cidade dentro, e que ainda hoje se deixa adivinhar na enorme
differença de nivel que ha entre o fundo do Chiado e a rua do
Crucifixo.
A egreja e hospital do Espirito Santo estão actualmente substituidos, no
mesmo local, pelo moderno palacio da familia Barcellinhos.
A egreja era muito antiga, pois que no anno de 1279 já tinha sido
fundada.
No seculo XVI foi reconstruida com donativos de
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