O cancioneiro portuguez da Vaticana | Page 6

Teophilo Braga
attribuir a vicio de
ortographia do Marquez de Santillana. Estes topicos bastam para
considerar a copia de D. Mecia mais proxima do texto autographo do
que a da Vaticana.

5. Cancioneiro de Angelo Colocci. (_Catalogo di Autori portoghesi
compilato da Angelo Colocci sopra un antico Canzoniere oggi ignoto._
Ms. 3217 da Bibl. Vat.)
O illustre editor Ernesto Monaci ao estudar o manuscripto do
Cancioneiro da Bibliotheca do Vaticano, n°. 4803, pelas referencias do
texto e paginação de um outro codice ali intercalladas, reconheceu que
deveriam ter existido duas fontes para este apographo. Nas suas
investigações na opulenta Bibliotheca do Vaticano teve a felicidade de
descobrir o Catalogo dos Trovadores portuguezes no manuscripto 3217,
o qual combina na maior parte com o dos Trovadores do Cancioneiro
n°. 4803, sendo as emendas d'este ultimo codice da mesma letra do

indice escripto pelo philologo Angelo Colocci, erudito italiano do
seculo XVI. É certo que o Cancioneiro da Vaticana pertenceu
primeiramente a Colocci antes de vir a ser propriedade da Bibliotheca
vaticana; Colocci era um d'esses distinctos eruditos italianos do fim do
seculo XV, que colligiram manuscriptos de todos os paizes e cuja
opulencia se distinguia pela formação de ricas livrarias, taes como Leão
X, Bembo, Orsini, e outros tantos. Colocci morreu em 1549, tendo a
sua livraria soffrido bastante no saque de Roma pelo Condestavel de
Bourbon em 1527. Por tanto, entre estas duas datas é que se teria
perdido esse grande cancioneiro, do qual apenas resta o Catalogo dos
Autores portuguezes, e que a Bibliotheca do Vaticano adquirira o
cancioneiro n°. 4803, apographo de um outro perdido, mas emendado
pela mão de Colocci sobre o exemplar hoje representado unicamente
pelo indice.
Antes de examinar qual a riqueza da Livraria de Colocci em
manuscriptos portuguezes, surge a questão mais difficil de resolver:
Como vieram estes varios cancioneiros portuguezes para as Livrarias
italianas?
Sabe-se que os pontifices mais instruidos mandavam procurar em todos
os paizes os mais preciosos manuscriptos; de Leão X escreve Ginguené:
"Não poupava despezas nem rodeios junto das potencias estrangeiras
para fazer procurar nos paizes mais remotos e até nos estados do norte
livros antigos ainda ineditos."[4] O modo como estes rodeios eram
efficazes, explica-se pela prohibição de certos livros e pela instituição
da censura, que já no século XV se exercia em Hespanha e em Portugal,
como vêmos pelo Leal Conselheiro de El-rei D. Duarte. Os livros eram
entregues á auctoridade ecclesiastica para serem examinados, e sob
qualquer pretexto de escrupulo não eram mais restituidos. Basta vêr a
quantidade de canções obscenas e irreligiosas que o Cancioneiro
portuguez da Vaticana encerra para se conhecer como veiu a caír na
mão da auctoridade ecclesiastica e como sob ordem superior esse livro
antigo ainda inedito foi remettido para Roma. Alem d'isto, a paixão
pela Renascença da antiguidade, que começou no seculo XV, fez com
que nos diversos paizes decaísse repentinamente o amor pelos seu
monumentos nacionaes. D'esta falta de amor pelo proprio passado
proveiu para Portugal a perda de muitos manuscriptos, como o da
novella Amadis de Gaula, de muitos cancioneiros manuaes, como

relata Faria e Sousa, pelo que dizia o Dr. João de Barros no principio
do seculo XVI, que estas cousas se secavam nas nossas mãos. D'esta
falta de estima pelos monumentos nacionaes, veiu o dispersarem-se
pelas bibliothecas da Europa muitos thezouros da nossa litteratura,
como se prova pela existencia da Demanda do santo Greal na
bibliotheca de Vienna, dos livros de Valentim Fernandes na bibliotheca
de Munich, do Leal Conselheiro de D. Duarte, _Chronica de Guivé_ de
Azurara, e Historia geral de Hespanha na bibliotheca de Paris, do
Roteiro de D. João de Castro no Museu britanico, e do Cancioneiro do
Conde de Marialva, da Satyra de infelice vida do Condestavel de
Portugal em Madrid. A saida do grande Cancioneiro de Portugal
pertence a esta forte corrente de dispersão. No fim do seculo XV alguns
portuguezes eruditos se distinguiam na Europa pelas suas riquezas
litterarias; em uma _Memória sobre as relações que existiam
antigamente entre os flamengos de Flandres, especialmente os de
Bruges e os Portuguezes_, cita-se: "João Vasques, natural de Portugal,
mordomo de D. Isabel de Portugal, Duqueza de Borgonha:--Vasques
possuía uma Bibliotheca, ou pelo menos diversos manuscriptos de
valor."[5] Entre esses livros figuravam Histoire de Troie la grant, e
alguns tinham as armas de Portugal na encadernação, como o velino
Horae beatae Mariae Virginis. Tambem no seculo XV figuravam no
estrangeiro os eruditos Diogo Affonso de Mangaancha, Vasco
Fernandes de Lucena, Achilles Estaço, e outros muitos amadores
bibliophilos. Cuidava-se em comprar livros impressos, por meio das
Feitorias portuguezas, mas os manuscriptos sobre tudo os da litteratura
medieval perdiam-se com a mais censuravel incuria. Sabe-se por uma
carta de João Rodrigues de Sá dirigida a Damião de Goes, que el-rei D.
Affonso V mandou vir de Italia Frei Justo,
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