O cancioneiro portuguez da Vaticana | Page 7

Teophilo Braga
a quem fez bispo de Ceuta,
com o fim de escrever em latim a historia dos antigos reis de Portugal,
e que todos os documentos que lhe foram entregues se perderam na sua
mão, por ter repentinamente fallecido da peste. É natural que estes
subsidios historicos constassem tambem de varios cancioneiros, por
que a poesia fôra um facto importante nas côrtes de D. Affonso III, D.
Diniz e D. Affonso IV; alem d'isso o espolio d'este bispo italiano seria
arrecadado pela auctoridade ecclesiastica e remettido para Roma. Por
todos estes factos parece justificar-se a hypothese de existir na
bibliotheca do Vaticano, antes do saque de Roma em 1527, um d'esses

cancioneiros portuguezes, e que d'aí se dispersaram por essa causa: "A
bibliotheca do Vaticano, tão liberalmente enriquecida por Leão X, foi
saqueada; os livros mais preciosos foram preza de um furor ignorante e
barbaro, como os da bibliotheca dos Medicis em Florença."[6] Pelo
codice 4803, publicado por Monaci, se vê que este Cancioneiro foi
copiado de um outro cancioneiro ja bastante truncado, como observou o
critico editor pelas siglas antigas: _"Manca da fol. II infino a fol. 43"_;
e na pagina 10: _"Fol. 97 desunt multa"_; e pela ultima pagina, na qual
se vê que ficou interrompida a copia.
Alem d'esta deducção, tira-se uma outra, isto é, que o Codice 4803 foi
comparado por Colocci com um outro mais rico e completo do qual só
resta agora o catalogo dos trovadores. Os biographos de Colocci
tambem consignam o facto de parte da sua opulenta bibliotheca ter sido
destruida no saque de Roma, em 1527. Este philologo italiano possuia
um decidido gosto pela poesia vulgar italiana, e conhecia a importancia
do estudo das litteraturas novolatinas, como se vê pelo interesse com
que procurava as Canções de Foulques de Marseille, e pela posse de
varios codices com os titulos Libro spagnolo di Romanze, e De varie
Romanze volgare, por ventura alguns d'elles provenientes da acquisição
de manuscriptos das collecções de Bembo e de Orsini; seria algum
d'estes livros o Cancioneiro da Vaticana, ou esse outro cancioneiro de
que apenas resta o catalogo dos auctores. N'este catalogo precioso
descoberto por Monaci, sob o numero 44-- Bonifaz de Jenoa segue-se
esta referencia a manuscriptos de Bembo: _"vide bembo Ms. bonifazio
Calvo de Genoa."_ E sob o numero 456--il Rey don Affonso de Leon,
segue-se esta nota: _"bembo, dice di Ragona, figlio di Berenghieri."_ A
variante do Codice de Bembo di Ragona seria _d'Aragone_ em vez de
Leon, isto é, um dos codices parciaes d' onde se formou o grande
cancioneiro parece fixar-se por esta circumstancia. Sob este mesmo
numero segue-se: _"Alia lectio i Portugal, rey Don Sancho deponit."_
Quer esta observação de Colocci significar, que este rei D. Affonso em
outro codice é citado como rey de Portugal, o que depoz D. Sancho,
facto que caracterisa el-rei Dom Affonso III, que depoz seu irmão D.
Sancho II. N'este caso este monarcha tambem fôra trovador, o Colocci
possuia algum cancioneiro parcial. No mesmo Indice dos Trovadores,
sob o numero 467 onde se continha as canções de El-rei Dom Affonso
rei de Castella e de Leão, accrescenta-se: _"vide nel mio lemosino"_,

no qual se attribuem as mesmas cantigas de preferencia ao rei de Leão,
isto é, em harmonia com o titulo di Ragona, do numero 456. Em uma
outra nota que o illustre Monaci achou no Codice n°. 4817, de letra
d'este erudito, se acha a seguinte referencia a um codice portuguez:
_"Messer Octaviano di messer barbarino, ha il_ libro di portoghesi,
quel da Ribera _l'ha lassato."_ Sabendo-se pela bibliographia, que o
manuscripto da _Menina e Moça_ de Bernardim Ribeiro, foi na
primeira metade do seculo XVI levado para a Italia, imprimindo-se em
Ferrara em 1544, cinco annos antes da morte de Colocci, parece que a
phrase quel (libro) da Ribera se refere a esta novella portugueza. Seria
por este tempo que o cancioneiro portuguez se tornou conhecido em
Roma, como dá noticia Duarte Nunes de Leão, nas palavras _"que em
Roma se achou"_, mas sem dizer que já pertencia á Bibliotheca do
Vaticano. A epoca em que este codice entrou n'esta rica bibliotheca
pode fixar-se depois de anno de 1600, por que os livros e manuscriptos
de Colocci foram adquiridos pelo erudito Fulvio Orsini, que os deixou
em testamento á Vaticana.[7] Esta é a opinião de Monaci; não
concordamos porém com a sua interpretação do trecho de Duarte
Nunes de Leão quando este escriptor portuguez diz: "segundo vimos
por um cancioneiro seu, que em Roma se achou, em tempo de el-rei
Dom João III..." deduzindo que Nunes de Leão chegara _a vêr_ esse
cancioneiro; em primeiro logar, Nunes de Leão refere-se a um
Cancioneiro seu, isto é unicamente de el-rei Dom Diniz, e não geral,
como o de que resta noticia pelo Indice de Colocci e pelo
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