O cancioneiro portuguez da Vaticana | Page 4

Teophilo Braga
como D. João de Aboim e Affonso Lopes
Baião; Mem Rodrigues Tenoyro vivia na côrte de D. Affonso IV, e foi
entregue a Pedro cruel em troca dos assassinos de Inez de Castro.[1] A
parte não assignada e que não se encontra no Cancioneiro da Vaticana
será por ventura o corpo das canções escriptas durante o tempo em que
a côrte de D. Affonso III esteve fixa em Santarem. Alem d'isso a parte
commum tem a particularidade de conservar a mesma ordem nas
canções, e ao mesmo tempo as variantes mais fundamentaes n'essas
lições. D'aqui se conclue, que já existia um Cancioneiro formado,
d'onde este da Ajuda estava sendo trasladado, mas que d'esse
cancioneiro existiam differentes copias formadas, não directamente
sobre elle, mas por meio dos cancioneiros particulares que o
constituiram. A parte não commum ao codice de Roma, prova nos
tambem que alguns d'esses cancioneiros parciaes se perderam, ou eram

já tão raros que não chegaram a ser encorporados na collecção.
Admittida a hypothese de que o Cancioneiro da Ajuda, pelo facto de ter
pertencido a el-rei D. Diniz e de andar encadernado junto do Nobiliario
do Conde D. Pedro, fosse o proprio Livro das Cantigas, como primeiro
quiz Varnhagem, o facto de apparecerem aí outros trovadores
prova-nos a nossa hypothese, que o Conde D. Pedro compilara sob esse
titulo as canções dos trovadores seus contemporaneos. O numero de
vinhetas imperfeitamente coloridas do cancioneiro da Ajuda são
dezaseis; isto leva a inferir que esse codice era formado de dezeseis
corpos de canções que pertenciam a dezassete trovadores. De facto a
coincidencia aqui é pasmosa: o numero dos trovadores communs ao
Cancioneiro da Ajuda e da Vaticana é de dezesete! Note-se que este
numero é o que se perfaz com os nomes de _Fernam Padrom, João de
Gaya, e Pero d'Armêa_, que achámos alem d'aquelles que primeiro
descobriu Varnhagem. D'este numero se tira a conclusão que o
Cancioneiro da Ajuda pertence exclusivamente a esses dezessete
trovadores, e que as cincoenta e seis canções communs ao Codice da
Ajuda eram as que andavam por cancioneiros parciaes, como as mais
conhecidas, e pelas variantes que appresentam, as mais repetidas. Alem
d'isso, pode suppor-se que o Cancioneiro da Ajuda não foi acabado, por
que o estylo limosino em que está escripto, passou de moda,
preferindo-se os _Cantares d'amigo_, as serranilhas, as pastorellas, os
lais e as sirventes, mudança de gosto proveniente da grande affluencia
de jograes gallegos, leonezes e castelhanos á côrte de Dom Diniz; e sob
o gosto da côrte de Dom Affonso IV prevaleceram tambem as canções
e musicas bretans, cuja corrente parece ainda reflectida no Cancioneiro
da Ajuda, em um remotissimo vestigio, no fragmento de canção em que
se lê a palavra guarvaya, com que o trovador allude aos seus infelices
amores. Nas Leges Wallice, XXIII, I, encontra-se o dom das nupcias,
kyvarus, que se pagava ao cantor da côrte: "Penkered (musicus
primarius) debet habere mercedes de filiabus poetarum sibi subditorum;
habebit quoque munera nuptiarum, id est kyvarus neythans, á feminibus
nuper datis, scilicet XXIIIIor denarios."[2] A connexão historica e a
interpretação litteral mostram que a guarvaya do trovador portuguez é
o mesmo facto ou costume bretão _kyvarus_; a verificação pelos
processos da alteração phonetica pertence para outro logar. Em todo o
caso este vestigio é um dos nexos mais intimos que se pode achar com

o codice perdido de Colocci, em que estavam já colligidos alguns lais
bretãos.
A musica do Cancioneiro da Ajuda tambem foi abandonada, por que
foram substituidos nos costumes outros instrumentos e outras
tonadilhas; no poema francez de Bertrand Du Guesclin, fala-se de
cantores bretãos na côrte de D. Pedro I de Portugal. Foi já n'esta nova
corrente poetica e com o fervor que ella despertara que se começou a
formar o vasto cancioneiro, de cuja existencia se sabe por quatro
apographos. Crêmos que o compilador que trasladou ou organisou o
texto authentico d'onde saíu o apographo do Vaticano, não soube da
existencia do Cancioneiro da Ajuda, apezar das cincoenta e seis
canções communs a ambos. Este facto será mais amplamente
explicado.

4. O Cancioneiro de Dona Mecia de Cisneros.
Na sua Carta ao Condestavel de Portugal, escripta antes de 1449, o
Marquez de Santillana, no § XV, diz que se recordava de ter visto,
quando era bastante menino, em poder de sua avó Dona Mecia de
Cisneros, entre outros livros, um grande volume de cantigas.... O
Marquez de Santillana nasceu em 1398, e sua avó Dona Mecia, na
companhia da qual passou a sua infancia, morreu em Dezembro de
1418, em Palencia. Em primeiro logar "o grande volume de Cantigas, e
_outros livros_" citados na carta, existiam em casa de D. Mecia de
Cisneros por que provinham de Garcilasso de la Vega, e de Pero
Gonzales de Mendoza, como claramente o affirma Amador de los
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