O cancioneiro portuguez da Vaticana | Page 3

Teophilo Braga
louvor é chamado o _rimante
d'el-Rei_. Por tudo isto é mais crível que o Livro das Cantigas do
Conde fosse o primeiro nucleo com que se formou por juxta-posição o
grande cancioneiro portuguez, do qual um dos apographos é o codice
da Vaticana; dizemos por juxta-posição, por que se lhe segue o de el-rei
Dom Diniz, e porque muitas canções de codice de Roma se acham aí
mesmo repetidas, indicação inevitavel de terem sido colligidas de
fontes diversas. Quando o Conde Dom Pedro falleceu já era morto
Affonso XI, e isto explica como poderia extraviar-se em Castella esse
Livro das Cantigas, e como Pero Gonçalves de Mendoza viria a obter a
copia que se guardava em um grande volume em casa de D. Mecia de
Cisneros, e pela primeira vez citada por seu neto, o Marquez de
Santillana.

2. Livro das Trovas de El-rei Dom Diniz

O corpo das canções de el-rei Dom Diniz occupava uma grande parte
do codice de Dona Mecia de Cisneros; occupava tambem uma parte
importante no apographo de Colocci, bem como no codice da Vaticana.
O modo como esta grande quantidade de canções de el-rei Dom Diniz
entrou em uma vasta compilação explica-se naturalmente, por isso que
pelo catalogo dos livros de uso de el rei Dom Duarte acha-se citado o
_Livro das Trovas de el-rei Dom Diniz_, do qual se pode inferir terem
existido varias copias, por que o numero das canções varia entre as
enumeradas no indice de Colocci e as contidas no codice da Vaticana,
contando este ultimo cincoenta e uma canções a mais. Alem d'isso, na
parte do codice que encerra as canções de D. Diniz, a canção 116
acha-se repetida outra vez sob o numero 174 com variantes e differente
disposição de estrophes, o que denota que essa parte foi compilada de
copias secundarias, mas classificadas, como vemos pelo titulo das
Cantigas de Amigo dado a um certo genero de canções, especialmente
de imitação popular. É provavel que os autographos que serviam para
os traslados nitidos dos amanuenses fossem por vezes aproveitados por
outros compiladores; de el-rei Dom Diniz andava tambem um codice
poetico em poder dos Freires de Christo de Christo de Thomar. Os
muitos jograes da Galiza, de Castella e de Leão, que frequentavam a
côrte de Dom Diniz, tambem colligiriam esses corpos de canções de
Serranilha e de _Mal-dizer_ que os privados dos monarchas trovaram,
e que elles decoravam para cantarem de officio. Os jograes formaram
collecções dos melhores cantares para recitarem ou acompanharem á
citola, pelo que recebiam dinheiro; o costume de ter jograes de Segrel
ao serviço da casa real levava tambem a formar estes pequenos
cancioneiros escolhidos.
3. O Cancioneiro da Ajuda (ou do Collegio dos Nobres).
O facto de se encontrarem cincoenta e seis canções communs ao
Codice da Ajuda e ao da Vaticana, torna indispensavel o resumir aqui o
que se sabe da historia externa do Cancioneiro da Ajuda. As suas folhas
são de pergaminho, a duas columnas, com pauta para a musica das
canções que se deveria escrever em seguida, e com varias vinhetas
separando os diversos grupos de canções de cada trovador e com letras
historiadas. O cancioneiro está truncado, pois que começa na folha 41,
e não existe o final, não só por incuria dos possuidores, que o
baralharam encadernando-o tumultuariamente com o Nobiliario,

grudando algumas folhas ás capas, mas tambem por que o estado da
copia, sem assignatura ou designação dos trovadores, letras historiadas
incompletas, e falta de notação musical, nos revelam que o codice não
foi dado por acabado. Esta collecção começou-se ainda no reinado de D.
Diniz, por que juntando-se as folhas lê-se escripto no córte d'ellas: Rei
Dom Diniz, e d'isto tambem se pode deduzir, que se não perderam
muitas folhas do principio e do fim. D'este codice foram encontradas
mais 24 folhas avulsas na Bibliotheca de Evora, e é tradição corrente
que na de Coimbra existiam algumas outras tambem.
A inspecção do Codice da Ajuda, confrontado com outros Codices
europeus, mostra-nos que elle pertencia indubitavelmente a diversos
trovadores; Varnhagem notou que existiam dezaseis vinhetas
imperfeitamente coloridas, que estão desenhadas junto ás canções 2, 36,
37, 149, 157, 170, 173, 184, 190, 231, 233, 249, 253, 255, 259 e
fragmento h. (Notas ás Trovas e Cantares, p. 348.)
Alem d'este vestigio paleographico, o confronto com o Codice da
Vaticana levou a achar os seguintes trovadores, communs aos dois
Cancioneiros: Pero Barroso, Affonso Lopes Baião, Mem Rodrigues
Tenoyro, João de Guilhade Estevam Froyam, João Vasques, Fernão
Velho, Ayres Vaz, D. João de Aboim, Pero Gomes Charrinho, Ruy
Fernandes, Fernam Padrom, Pero da Ponte, Vasco Rodrigo de Calvelo,
Pero Solaz, Pero d'Armêa, e João de Gaia. Todos estes nomes são de
fidalgos grandes privados de el-rei D. Diniz, e alguns já figuram em
doações de D. Affonso III,
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