de
dadas formas poeticas, pelas personalidades dos principaes trovadores e
pelo estado da lingua portugueza, é uma exploração de tal forma vasta,
que qualquer d'estas questões excede as proporções de uma noticia.
Começamos pela critica externa do Cancioneiro, enumerando todos os
cancioneiros portuguezes dos seculos XIII e XIV que contribuiram para
a sua formação, procurando ao mesmo tempo o nexo que existiria entre
elles, e pelas divergencias de texto quaes as collecções que se perderam
sem chegarem a ser conhecidas.
1. O Livro das Cantigas do Conde de Barcellos.
No testamento do Conde D. Pedro, feito em Lalim em 30 de Março de
1350, se lê esta clausula: "Item, mando o meu Livro das Cantigas a el
rei de Castella". Interpretando esta clausula, Varnhagem quiz por ella
attribuir o Cancioneiro da Ajuda ao Conde de Barcellos, imprimindo-o
em 1849 n'esse presupposto, com o titulo de _Trovas e Cantares... ou
antes mui provavelmente o Livro das Cantigas do Conde de Barcellos_.
Esta hypothese cedo caiu diante da evidencia dos factos; mas além
d'este primeiro erro, existe n'esta affirmacão um outro, que é o julgar o
Livro das Cantigas formado de canções unicamente compostas pelo
Conde de Barcellos. Era antigamente vulgar terem os principes
cancioneiro seu, como objecto sumptuario, isto é, uma collecção
contendo as melhores poesias de seu tempo; sabendo-se a tendencia
compiladora e erudita do Conde Dom Pedro, e a sua amisade com a
aristocracia portugueza e gallega por causa do seu Nobiliario, é mais no
espirito da historia litteraria a hypothese, que o Livro das Cantigas era
seu pelo facto material da propriedade ou da colleccionação, e que este
titulo designa um cancioneiro contendo composições de diversos
trovadores. Vamos fundamentar esta hypothese: Primeiramente, o
Conde D. Pedro, pelas canções que d'elle restam na collecção do
Vaticano, era um mediocre trovador, e d'elle diz Affonso XI, a quem
elle deixara em testamento _o seu Livro das Cantigas:_
Pois se de quant'el tem errado serve Dom Pedro, nem lhi dá em grado.
Alludia á inferioridade das canções de Bernal de Bonaval, que serviam
ao gosto do Conde Dom Pedro. Em segundo logar, pelo Nobiliario se
vê quanto o Conde era versado nas tradições bretans que adoptava
como factos historicos; e no indice do Cancioneiro de Angelo Colocci
se acham enumeradas como começo d'esse codice: "1. Elis o baço,
duque de Sansonha, quando passou na Gram Bretanha, qual ora
chamam Ingraterra, al tempo del Rey Arthur ad combater com Tristano
por que lhi avia occiso o padre em uma batalha. E andando um dia em
sa busca foi por Giososa Guarda ú era a reyna Isouda de Corualha, e
enamorou-se ali elle, e fez por ella aquesta lais, o qual lais poemos aqui,
porque era o melhor que fora feito.--2. Quatro donzellas, a Morouet de
Irlanda, al tempo del rei Arthur.--3. Dom Tristan enamorado.--4. Dom
Tristan.--5. D. Tristam para Genebra".
Por este conteúdo do começo do Cancioneiro que pertenceu a Colocci,
e por que no codice da Vaticana mais de uma vez se citam as formas
poeticas bretãs dos lais, podemos concluir que esses cinco Lais
pertenceriam ao Livro das Cantigas, o qual foi encorporado em uma
grande collecção formando talvez a parte que vae até as canções de
el-rei D. Diniz que eram tambem um cancioneiro avulso. Por este
mesmo codice de Angelo Colocci, de que resta o indice, achamos que
antes da parte que constitue a colecção de el-rei D. Diniz, estavam
colligidas varias canções de Dom Affonso Sanches, bastardo do rei, as
canções de Dom Affonso rei de Leão, as de D. Affonso XI de Castella,
e depois d'estar as do proprio Conde de Barcellos, que são ao todo nove,
e tambem as de seu irmão el rei D. Affonso IV. Não era qualquer
compilador ocioso que poderia satisfazer a sua curiosidade obtendo
d'estes principes e monarchas as canções mais ou menos pessoaes; o
Conde de Barcellos estava em uma posição especial, sabia metrificar,
era estimado na côrte de D. Diniz e na de Affonso XI, e tendo passado
algum tempo em Hesphanha de lá podia trazer canções de varios
trovadores que nunca estiveram em Portugal. Por tanto o seu Livro das
Cantigas fôra formado n'estas condições particulares, e o apreço que se
lhe ligava é que o fez com que o deixasse em testamento ao elegante
trovador Affonso XI de Castella. A posse de um livro de cantigas era
quasi um titulo nobiliarchico; na canção 76 da Vaticana, feita á maneira
de sirvente por Affonso XI contra o Dayão de Calez, diz que elle tinha
um Livro de Sons, por meio do qual seduzia todas as mulheres. Foi
tambem pelo seu gosto pela poesia provençalesca que o Conde de
Barcellos manteve a sympathia de D. Affonso IV, filho legitimo de D.
Diniz, e por isso em uma canção de
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