O Mysterio da Estrada de Cintra | Page 8

Ramalho Ortigão
tedio.
E accendi um charuto.
--Mas com os diabos! tomam-nos por assassinos! gritou um violentamente. N?o se cr�� na honra, na palavra de um homem! Se voc��s n?o tiram a mascara, tiro-a eu! �� necessario que nos vejam! N?o quero, nem escondido por um peda?o de cart?o, passar por assassino!... Senhores! dou-lhes a minha palavra que ignoro quem matou este homem!
E fez um gesto furioso. N'este movimento, a mascara desapertou-se, descahindo. Elle voltou-se rapidamente, levando as m?os abertas ao rosto. Foi um movimento instinctivo, irreflectido, de desespera??o. Os outros cercaram-n'o, olhando rapidamente para F..., que tinha ficado impassivel. Um dos mascarados, que n?o tinha ainda falado, o que na carruagem viera defronte de mim, a todo o momento observava o meu amigo com receio, com suspeita. Houve um longo silencio. Os mascarados, a um canto, fallavam baixo. Eu no emtanto examinava a sala.
Era pequena, forrada de seda em pregas, com um tapete molle, espesso, bom para correr com os p��s n��s. O estofo dos moveis era de seda vermelha com uma barra verde, unica e transversal, como t��em na antiga heraldica os bras?es dos bastardos. As cortinas das janellas pendiam em pregas amplas e suaves. Havia vasos de jaspe, e um aroma tepido e penetrante, onde se sentia a verbena e o perfume de marechala.
O homem que estava morto era mo?o, de perfil sympathico e fino, de bigode louro. Tinha o casaco e collete despidos, e o largo peitilho da camisa reluzia com bot?es de perolas; a cal?a era estreita, bem talhada, de uma c?r clara. Tinha apenas cal?ado um sapato de verniz; as meias eram de seda em grandes quadrados brancos e cinzentos.
Pella physionomia, pela construc??o, pelo corte e c?r do cabello, aquelle homem parecia inglez.
Ao fundo da sala via-se um reposteiro largo, pesado, cuidadosamente corrido. Parecia-me ser uma alcova. Notei admirado que apesar do extremo luxo, d'um aroma que andava no ar e uma sensa??o t��pida que d?o todos os logares onde ordinariamente se est��, se falla e se vive, aquelle quarto n?o parecia habitado; n?o havia um livro, um casaco sobre uma cadeira, umas luvas cahidas, alguma d'estas mil pequenas coisas confusas, que demonstram a vida e os seus incidentes triviaes.
F..., tinha-se approximado de mim.
--Conheceste aquelle a quem caiu a mascara? perguntei.
--N?o. Conheceste?
--Tambem n?o. Ha um que ainda n?o fallou, que est�� sempre olhando para ti. Receia que o conhe?as, �� teu amigo talvez, n?o o percas de vista.
Um dos mascarados approximou-se, perguntando:
--Quanto tempo p��de ficar o corpo assim n'esta chaise-longue?
Eu n?o respondi. O que me interrogou fez um movimento colerico, mas conteve-se. N'este momento o mascarado mais alto, que tinha saido, entrara, dizendo para os outros:
--Prompto!...
Houve uma pausa; ouvia-se o bater da pendula e os passos de F..., que passeiava agitado, com o sobrolho duro, torcendo o bigode.
--Meus senhores, continuou voltando-se para n��s o mascarado--damos-lhe a nossa palavra de honra que somos completamente estranhos a este successo. Sobre isto n?o damos explica??es. Desde este momento os senhores est?o retidos aqui. Imaginem que somos assassinos, moedeiros falsos ou ladr?es, tudo o que quizerem. Imaginem que est?o aqui pela violencia, pela corrup??o, pela astucia, ou pela for?a da lei... como entenderem! O facto �� que ficam at�� amanh?. O seu quarto--disse-me--�� n'aquella alcova, e o seu--apontou para F.--l�� dentro. Eu fico comsigo, doutor, n'este sof��. Um dos meus amigos ser�� l�� dentro o criado de quarto do seu amigo. ��manh? despedimo-nos amigavelmente e podem dar parte �� policia ou escrever para os jornaes.
Calou-se. Estas palavras tinham sido ditas com tranquillidade. N?o respondemos.
Os mascarados, em quem se percebia um certo embara?o, uma evidente falta de serenidade, conversavam baixo, a um canto do quarto, junto da alcova. Eu passeava. N'uma das voltas que dava pelo quarto, vi casualmente, perto d'uma poltrona, uma coisa branca similhante a um len?o. Passei defronte da poltrona, deixei voluntariamente cair o meu len?o, e no movimento que fiz para o apanhar, lancei despercebidamente m?o do objecto caido. Era effectivamente um len?o. Guardei-o, apalpei-o no bolso com grande delicadeza de tacto; era fino, com rendas, um len?o de mulher. Parecia ter bordadas uma firma e uma cor?a.
N'este momento deram nove horas. Um dos mascarados exclamou, dirigindo-se a F...
--Vou mostrar-lhe o seu quarto. Desculpe-me, mas �� necessario vendar-lhe os olhos.
F. tomou altivamente o len?o das m?os do mascarado, cobriu elle mesmo os olhos, e sairam.
Fiquei s�� com o mascarado alto, que tinha a voz sympathica e attrahente.
Perguntou-me se queria jantar. Comquanto lhe respondesse negativamente, elle abriu uma mesa, trouxe um cabaz em que havia algumas comidas frias. Bebi apenas um copo d'agua. Elle comeu.
Lentamente, gradualmente, come?��mos a conversar quasi em amizade. Eu sou naturalmente expansivo, o silencio pesava-me. Elle era instruido, tinha viajado e tinha lido.
De repente, pouco depois da uma hora da noite, sentimos na escada um andar leve e cauteloso, e logo alguem tocar na porta do
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