de havermos entrado.
--Podem tirar os len?os, disse-me um dos nossos companheiros.
Descobri os olhos. Era noite.
Um dos mascarados raspou um phosphoro, accendeu cinco velas n'uma serpentina de bronze, pegou na serpentina, approximou-se de um movel que estava coberto com uma manta de viagem, e levantou a manta.
N?o pude conter a commo??o que senti, e soltei um grito de horror.
O que eu tinha diante de mim era o cadaver de um homem.
IV
Escrevo-lhe hoje fatigado, e nervoso. Todo este obscuro negocio em que me acho envolvido, o vago perigo que me cerca, a mesma tens?o de esp��rito em que estou para comprehender a secreta verdade d'esta aventura, os habitos da minha vida repousada subitamente exaltados,--tudo isto me d�� um estado de irrita??o morbida que me aniquilla.
Logo que vi o cadaver perguntei violentamente:
--Que quer isto dizer, meus senhores?
Um dos mascarados, o mais alto, respondeu:
--N?o ha tempo para explica??es. Perd?em ter sido enganados! Pelo amor de Deus, doutor, veja esse homem. Quem tem? Est�� morto? Est�� adormecido com algum narcotico?
Dizia estas palavras com uma voz t?o instante, t?o dolorosamente interrogativa que eu, dominado pelo imprevisto d'aquella situa??o, approximei-me do cadaver, e examinei-o.
Estava deitado n'uma chaise-longue, com a cabe?a pousada n'uma almofada, as pernas ligeiramente cruzadas, um dos bra?os curvado descan?ando no peito, o outro pendente e a m?o inerte assente sobre o ch?o. N?o tinha golpe, contus?o, ferimento, ou extravasamento de sangue; n?o tinha signaes de congest?o, nem vestigios de estrangula??o. A express?o da physionomia n?o denotava soffrimento, contrac??o ou d?r. Os olhos cerrados frouxamente, eram como n'um somno leve. Estava frio e livido.
N?o quero aqui fazer a historia do que encontrei no cadaver. Seria embara?ar esta narra??o concisa com explica??es scientificas. Mesmo sem exames detidos, e sem os elementos de aprecia??o que s�� podem fornecer a analyse ou a autopsia, pareceu-me que aquelle homem estava sob a influencia j�� mortal de um narcotico, que n?o era tempo de dominar.
--Que bebeu elle? perguntei, com uma curiosidade exclusivamente medica.
N?o pensava ent?o em crime nem na mysteriosa aventura que ali me prendia; queria s�� ter uma historia progressiva dos factos que tinham determinado a narcotisa??o.
Um dos mascarados mostrou-me um copo que estava ao p�� da chaise-longue sobre uma cadeira de estofo.
--N?o sei, disse elle, talvez aquillo.
O que havia no copo era evidentemente opio.
--Este homem est�� morto, disse eu.
--Morto! repetiu um d'elles, tremendo.
Ergui as palpebras do cadaver, os olhos tinham uma dilata??o fixa, horrivel.
Eu fitei-os ent?o um por um e disse-lhes serenamente:
--Ignoro o motivo porque vim aqui; como medico d'um doente sou inutil; como testemunha posso ser perigoso.
Um dos mascarados veiu para mim e com a voz insinuante, e grave:
--Escute, cr�� em sua consciencia que esse homem esteja morto?
--De certo.
--E qual pensa que fosse a causa da morte?
--O opio; mas creio que devem sabel-o melhor do que eu os que andam mascarados surprehendendo gente pela estrada de Cintra.
Eu estava irritado, queria provocar algum desenlace definitivo que cortasse os embara?os da minha situa??o.
--Perd?o, disse um, e ha que tempo supp?e que esse homem esteja morto?
N?o respondi, puz o chapeu na cabe?a e comecei a cal?ar as luvas. F... junto da janella batia o p�� impaciente. Houve um silencio.
Aquelle quarto pesado de estofos, o cadaver estendido com reflexos lividos na face, os vultos mascarados, o socego lugubre do logar, as luzes claras, tudo dava ��quelle momento um aspecto profundamente sinistro.
--Meus senhores, disse ent?o lentamente um dos mascarados, o mais alto, o que tinha guiado a carruagem--comprehendem perfeitamente, que se n��s tivessemos morto este homem sabiamos bem que um medico era inutil, e uma testemunha importuna! Desconfiavamos, �� claro, que estava sob a ac??o de um narcotico, mas queriamos adquirir a certeza da morte. Por isso os trouxemos. A respeito do crime estamos t?o ignorantes como os senhores. Se n?o entregamos este caso �� policia, se cerc��mos de mysterio e de violencia a sua visita a esta casa, se lhes vend��mos os olhos, �� porque receavamos que as indaga??es que se podessem fazer, conduzissem a descobrir, como criminoso ou como cumplice, alguem que n��s temos em nossa honra salvar; se lhes damos estas explica??es...
--Essas explica??es s?o absurdas! gritou F. Aqui ha um crime; este homem est�� morto, os senhores, mascarados; esta casa parece solitaria, n��s achamo-nos aqui violentados, e todas estas circumstancias teem um mysterio t?o revoltante, uma fei??o t?o criminosa, que n?o queremos nem pelo mais leve acto, nem pela mais involuntaria assistencia, ser parte n'este negocio. N?o temos aqui nada que fazer; queiram abrir aquella porta.
Com a violencia dos seus gestos, um dos mascarados riu.
--Ah! os senhores escarnecem! gritou F...
E arremessando-se violentamente contra a janella, ia fazer saltar os fechos. Mas dois dos mascarados arrojaram-se poderosamente sobre elle, curvaram-n'o, arrastaram-n'o at�� uma poltrona, e deixaram-n'o cair, offegante, tremulo de desespero.
Eu tinha ficado sentado e impassivel.
--Meus senhores, observei, notem que emquanto o meu amigo protesta pela colera, eu protesto pelo
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