O Mysterio da Estrada de Cintra | Page 9

Ramalho Ortigão
quarto onde estavamos. O mascarado tinha ao entrar tirado a chave e havia-a guardado no bolso. Erguemo-nos sobresaltados. O cadaver achava-se coberto. O mascarado apagou as luzes.
Eu estava aterrado. O silencio era profundo; ouvia-se apenas o ruido das chaves que a pessoa que estava f��ra ��s escuras procurava introduzir na fechadura.
N��s, immoveis, n?o respiravamos.
Finalmente a porta abriu-se, alguem entrou, fechou-a, accendeu um phosphoro, olhou. Ent?o vendo-nos, deu um grito e caiu no ch?o, immovel, com os bra?os estendidos.
��manh?, mais socegado e claro de recorda??es, direi o que se seguiu.
* * * * *
P.S.--Uma circumstancia que p��de esclarecer sobre a rua e o sitio da casa: De noite senti passarem duas pessoas, uma tocando guitarra, outra cantando o fado. Devia ser meia noite. O que cantava dizia esta quadra:
Escrevi uma carta a Cupido A mandar-lhe perguntar Se um cora??o offendido...
N?o me lembra o resto. Se as pessoas que passaram, tocando e cantando, lerem esta carta, prestar?o um notavel esclarecimento dizendo em que rua passavam, e defronte de que casa, quando cantaram aquellas rymas populares.
V
Hoje, mais socegado e sereno, posso contar-lhe com precis?o e realidade, reconstruindo-o do modo mais nitido, nos dialogos e nos olhares, o que se seguiu �� entrada imprevista d'aquella pessoa no quarto onde estava o morto.
O homem tinha ficado estendido no ch?o, sem sentidos: molh��mos-lhe a testa, demos-lhe a respirar vinagre de toilette. Voltou a si, e, ainda tremulo e pallido, o seu primeiro movimento instinctivo foi correr para a janella!
O mascarado, por��m, tinha-o envolvido fortemente com os bra?os, e arremessou-o com violencia para cima de uma cadeira, ao fundo do quarto. Tirou do seio um punhal, e disse-lhe com voz fria e firme:
--Se faz um gesto, se d�� um grito, se tem um movimento, varo- lhe o cora??o!
--V��, v��, disse eu, breve! responda... Que quer? Que veio fazer aqui?
Elle n?o respondia, e com a cabe?a tomada entre as m?os, repetia machinalmente:
--Est�� perdido tudo! Est�� tudo perdido!
--Falle, disse-lhe o mascarado, tomando-lhe rudemente o bra?o, que veiu fazer aqui? Que �� isto? como soube?...
A sua agita??o era extrema: luziam-lhe os olhos entre o setim negro da mascara.
--Que veiu fazer aqui? repetiu agarrando-o pelos hombros e sacudindo-o como um vime.
--Escute... disse o homem convulsivamente. Vinha saber... disseram-me... N?o sei. Parece que j�� c�� estava a policia... queria... saber a verdade, indagar quem o tinha assassinado... vinha tomar informa??es...
--Sabe tudo! disse o mascarado, aterrado, deixando pender os bra?os.
Eu estava surprehendido; aquelle homem conhecia o crime, sabia que havia ali um cadaver! S�� elle o sabia, porque deviam ser de certo absolutamente ignorados aquelles successos lugubres. Por consequencia quem sabia onde estava o cadaver, quem tinha uma chave da casa, quem vinha alta noite ao logar do assassinato, quem tinha desmaiado vendo-se surprehendido, estava positivamente envolvido no crime...
--Quem lhe deu a chave? perguntou o mascarado.
O homem calou-se.
--Quem lhe fallou n'isto?
Calou-se.
--Que vinha fazer, de noite, ��s escondidas, a esta casa?
Calou-se.
--Mas como sabia d'este absoluto segredo, de que apenas temos conhecimento n��s?...
E voltando-se para mim, para me advertir com um gesto imperceptivel do expediente que ia tomar, accrescentou:
-- ... n��s e o senhor comiss��rio.
O desconhecido calou-se. O mascarado tomou-lhe o paletot e examinou-lhe os bolsos. Encontrou um pequeno martello e um masso de pregos.
--Para que era isto?
--Trazia naturalmente isso, queria concertar n?o sei qu��, em casa... um caixote...
O mascarado tomou a luz, approximou-se do morto, e por um movimento rapido, tirando a manta de viagem, descobriu o corpo: a luz caiu sobre a livida face do cadaver.
--Conhece este homem?
O desconhecido estremeceu levemente e pousou sobre o morto um longo olhar, demorado e attento.
Eu em seguida cravei os meus olhos, com uma insistencia implacavel nos olhos d'elle, dominei-o, d��sse-lhe baixo, apertando-lhe a m?o:
--Porque o matou?
--Eu? gritou elle. Est�� doido!
Era uma resposta clara, franca, natural, innocente.
--Mas porque veiu aqui? observou o mascarado, como soube do crime? Como tinha a chave? Para que era este martello? Quem �� o senhor? Ou d�� explica??es claras, ou d'aqui a uma hora est�� no segredo, e d'aqui a um mez nas gal��s. Chame os outros, disse elle para mim.
--Um momento, meus senhores, confesso tudo, digo tudo! gritou o desconhecido.
Esper��mos; mas retraindo a voz, e com uma intona??o demorada, como quem dicta:
--A verdade, prosseguiu, �� esta: encontrei hoje de tarde um homem desconhecido, que me deu uma chave e me disse: sei que �� Fulano, que �� destemido, v�� a tal rua, n.o tantos...
Eu tive um movimento avido, curioso, interrogador. Ia emfim saber onde estava!
Mas o mascarado com um movimento impetuoso p?z-lhe a m?o aberta sobre a bocca, comprimindo-lhe as faces, e com uma voz surda e terr��vel:
--Se diz onde estamos, mato-o.
O homem fitou-nos: comprehendeu evidentemente que eu tambem estava ali, sem saber onde, por um mysterio, que os motivos da nossa presen?a eram tambem suspeitos, e que por consequencia n?o eramos empregados da policia. Esteve um momento calado e accrescentou:
--Meus
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