O Mysterio da Estrada de Cintra | Page 6

Ramalho Ortigão
nossos companheiros que promettera explicar a F... a raz?o porque elle nos acompanhava, prosseguiu:
--O amante da senhora a quem me refiro, imagine que sou eu. Sabem-no unicamente n'este mundo tres amigos meus, amigos intimos, companheiros de infancia, camaradas de estudo, tendo vivido sempre juntos, estando cada um constantemente prompto a prestar aos outros os derradeiros sacrificios que p��de imp?r a amizade. Entre os nossos companheiros n?o havia um medico. Era mister obtel-o e era ao mesmo tempo indispensavel que n?o passasse a outrem, quem quer que fosse, o meu segredo, em que est?o envoltos o amor de um homem e a honra de uma senhora. O meu filho nascer�� provavelmente esta noite ou ��manh? pela manh?; n?o devendo saber ninguem quem �� sua m?e, n?o devendo sequer por algum indicio vir a suspeitar um dia quem ella seja, �� preciso que o doutor ignore quem s?o as pessoas com quem falla, e qual �� a casa em que vae entrar. Eis o motivo por que n��s temos no rosto uma mascara; eis o motivo porque os senhores nos h?o de permittir que continuemos a ter cerrada esta carruagem, e que lhes vendemos os olhos antes de os apearmos defronte do predio a que v?o subir. Agora comprehende, continuou elle dirigindo-se a F..., a raz?o por que nos acompanha. Era-nos impossivel evitar que o senhor viesse hoje de Cintra com o seu amigo, era-nos impossivel adiar esta visita, e era-nos impossivel tambem deixal-o no ponto da estrada em que tom��mos o doutor. O senhor acharia facilmente meio de nos seguir e de descobrir quem somos.
--A lembran?a, notei eu, �� engenhosa mas n?o lisongeira para a minha discri??o.
--A confian?a na discri??o alheia �� uma trai??o ao segredo que nos n?o pertence.
F... achava-se inteiramente d'accordo com esta maneira de ver, e disse-o elogiando o esp��rito da aventura romanesca dos mascarados.
As palavras de F... accentuadas com sinceridade e com affecto, pareceu-me que perturbaram algum tanto o desconhecido. Figurou-se-me que esperava discutir mais tempo para conseguir persuadir-nos e que o desnorteava e surprehendia desagradavelmente esse c��rte imprevisto. Elle, que tinha a replica prompta e a palavra facil, n?o achou que retorquir �� confian?a com que o tratavam, e guardou, desde esse momento at�� que cheg��mos, um silencio que devia pezar ��s suas tendencias expansivas e discursadoras.
�� verdade que pouco depois d'este dialogo o trem deixou a estrada de macadam em que at�� ahi rodara e entrou n'um caminho vicinal ou n'um atalho. O solo era pedregoso e esburacado; os solavancos da carruagem, que seguia sempre a galope governada por m?o de mestre, e o estrepito dos stores embatendo nos caixilhos mal permittiriam conversar.
Torn��mos por fim a entrar n'uma estrada lisa. A carruagem parou ainda uma segunda vez, o cocheiro apeou rapidamente, dizendo:
--L�� vou!
Voltou pouco depois, e eu ouvi alguem que dizia:
--V?o com raparigas para Lisboa.
O trem prosseguiu.
Seria uma barreira da cidade? Inventaria o que nos guiava um pretexto plaus��vel para que os guardas nos n?o abrissem a portinhola? Entender-se-hia com os meus companheiros a phrase que eu ouvira?
N?o posso dizel-o com certeza.
A carruagem entrou logo depois n'um pavimento lageado e d'ahi a dois ou tres minutos parou. O cocheiro bateu no vidro, e disse:
--Cheg��mos.
O mascardo que n?o tornara a pronunciar uma palavra desde o momento que acima indiquei, tirou um len?o da algibeira e disse-nos com alguma commo??o:
--Tenham paciencia! perd?em-m'o... Assim �� preciso!
F... approximou o rosto, e elle vendou-lhe os olhos. Eu fui egualmente vendado pelo que estava em frente de mim.
Ape��mo-nos em seguida e entr��mos n'um corredor conduzidos pela m?o dos nossos companheiros. Era um corredor estreito segundo pude deduzir do modo por que nos encontr��mos e d��mos passagem a alguem que sahia. Quem quer que era disse:
--Levo o trem?
A voz do que nos guiara respondeu:
--Leva.
Demor��mo-nos um momento. A porta por onde haviamos entrado foi fechada �� chave, e o que nos servira de cocheiro passou para diante dizendo:
--Vamos!
D��mos alguns passos, subimos dois degraus de pedra, tom��mos �� direita e entr��mos na escada. Era de madeira, ingreme e velha, coberta com um tapete estreito. Os degraus estavam desgastados pelos p��s, eram ondeados na superficie e esbatidos e arredondados nas saliencias primitivamente angulosas. Ao longo da parede, do meu lado, corria uma corda, que servia de corrim?o; era de seda e denotava ao tacto pouco uso. Respirava-se um ar humido e impregnado das exhala??es interiores dos predios deshabitados. Subimos oito ou dez degraus, tom��mos �� esquerda n'um patamar, subimos ainda outros degraus e par��mos n'um primeiro andar.
Ninguem tinha proferido uma palavra, e havia o que quer que fosse de lugubre n'este silencio que nos envolvia como uma nuvem de tristeza.
Ouvi ent?o a nossa carruagem que se affastava, e senti uma suppress?o, uma especie de sobresalto pueril.
Em seguida rangeu uma fechadura e transpozemos o limiar de uma porta, que foi outra vez fechada �� chave depois
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