O Mysterio da Estrada de Cintra | Page 3

Ramalho Ortigão
violenta, e caiu de chapa.
O homem que estava junto do vallado, ao qual eu n?o dava atten??o porque ia voltado a examinar o trem, determinara essa queda, colhendo repentinamente e com a maxima for?a as redeas que ficavam para o lado d'elle e impellindo ao mesmo tempo com um pontap�� o flanco do animal para o lado oposto.
O cavallo, que era um poldro de pouca for?a e mal manejado, escorregou das pernas e tombou ao dar a volta rapida e precipitada a que o tinham constrangido.
O desconhecido fez levantar o cavallo segurando-lhe as redeas, e, ajudando-me a erguer, indagava com interesse se eu teria molestado a perna que fic��ra debaixo do cavallo.
Este individuo tinha na voz a entoa??o especial dos homens bem educados. A m?o que me offereceu era delicada. O rosto tinha-o coberto com uma mascara de setim preto. Entrelembro-me de que trazia um pequeno fumo no chapeu. Era um homem agil e extremamente forte, segundo denota o modo como fez cair o cavallo.
Ergui-me alvoro?adamente e, antes de ter tido ocasi?o de dizer uma palavra, vi que, ao tempo da minha queda, se travara lucta entre o meu companheiro e os outros dois individuos que fingiam examinar o trem e que tinham a cara coberta como aquelle de que j�� fallei.
Puro Ponson du Terrail! dir�� o sr. redactor. Evidentemente. Parece que a vida, mesmo no caminho de Cintra, pode ��s vezes ter o capricho de ser mais romanesca do que pede a verosimilhan?a artistica. Mas eu n?o fa?o arte, narro factos unicamente.
F..., vendo o seu cavallo subitamente seguro pellas cambas do freio, tinha obrigado a largal-o um dos desconhecidos, em cuja cabe?a descarreg��ra uma pancada com o cabo do chicote, o qual o outro mascarado conseguira logo depois arrancar-lhe da m?o.
Nenhum de n��s trazia armas. O meu amigo tinha no entanto tirado da algibeira a chave de uma porta da casa de Cintra, e esporeava o cavallo estirando-se-lhe no pesco?o e procurando alcan?ar a cabe?a d'aquelle que o tinha seguro.
O mascarado, por��m, que continuava a segurar em uma das m?os o freio do cavallo empinado, apontou com a outra um rewolver �� cabe?a do meu amigo e disse-lhe com serenidade:
--Menos furia! menos furia!
O que lev��ra com o chicote na cabe?a e fic��ra por um momento encostado �� portinhola do trem, visivelmente atordoado mas n?o ferido, porque o cabo era de baleia e tinha por cast?o uma simples guarni??o feita com uma tran?a de clina, havia j�� a este tempo levantado do ch?o e posto na cabe?a o chapeu que lhe caira.
A este tempo o que me derribara o cavallo e me ajudara a levantar tinha-me deixado ver um par de pequeninas pistolas de coronhas de prata, d'aquellas a que chamam em Fran?a coups de poing e que varam uma porta a trinta passos de distancia. Depois do que, me offereceu delicadamente o bra?o, dizendo-me com afabilidade:
--Parece-me mais commodo acceitar um logar que lhe offere?o na carruagem do que montar outra vez no cavallo ou ter de arrastar a p�� d'aqui �� pharmacia da Porcalhota a sua perna magoada.
N?o sou dos que se amedrontam mais promptamente com a amea?a feita com armas. Sei que ha um abysmo entre prometter um tiro e desfechal-o. Eu movia bem a perna trilhada, o meu amigo estava montado em um cavallo possante; somos ambos robustos; poderiamos talvez resistir por dez minutos, ou por um quarto de hora, e durante esse tempo nada mais provavel, em estrada t?o frequentada como a de Cintra n'esta quadra, do que apparecerem passageiros que nos prestassem aux��lio.
Todavia confesso que me sentia attrahido para o imprevisto de uma t?o extranha aventura.
Nenhum caso anterior, nenhuma circumstancia da nossa vida nos permittia suspeitar que alguem podesse ter interesse em exercer comnosco press?o ou violencia alguma.
Sem eu bem poder a esse tempo explicar porqu��, n?o me parecia tambem que as pessoas que nos rodeavam projectassem um roubo, menos ainda um homicidio. N?o tendo tido tempo de observar miudamente a cada um, e tendo-lhes ouvido apenas algumas palavras fugitivas, figuravam-se-me pessoas de bom mundo. Agora que de esp��rito socegado penso no acontecido, vejo que a minha conjectura se baseava em varias circumstancias dispersas, nas quaes, ainda que de relance, eu attentara, mesmo sem proposito de analyse. Lembro-me, por exemplo, que era de setim alvadio o forro do chapeu do que levara a pancada na cabe?a. O que apont��ra o rewolver a F... trazia cal?ada uma luva c?r de chumbo apertada com dois bot?es. O que me ajud��ra a levantar tinha os p��s finos e botas envernizadas; as cal?as, de casimira c?r de avel?, eram muito justas e de presilhas. Tinha esporas.
N?o obstante a disposi??o em que me achava de ceder da lucta e de entrar no trem, perguntei em allem?o ao meu amigo se elle era de opini?o que resistissemos ou que nos rendessemos.
--Rendam-se,
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