O Mysterio da Estrada de Cintra | Page 2

Ramalho Ortigão
nos reapparece inesperadamente na sua terceira edi??o, com um petulante arzinho de triumpho que, �� f�� de Deus, n?o lhe vae mal!
Ent?o, como agora, escreviamos honestamente, isto ��, o melhor que podiamos: d'esse amor da perfei??o, que �� a honradez dos artistas, veio talvez a sympathia do publico ao livro da nossa mocidade.
Ha mais duas raz?es, para auctorizar esta reedi??o.
A primeira �� que a publica??o d'este livro, f��ra de todos os moldes at�� o seu tempo consagrados, pode conter, para uma gera??o que precisa de a receber, uma util li??o de independencia.
A mocidade que nos succedeu, em vez de ser inventiva, audaz, revolucionaria, destruidosa d'idolos, parece-nos servil, imitadora, copista curvada de mais deante dos mestres. Os novos escriptores n?o avan?am um p�� que n?o pousem na p��gada que deixaram outros. Esta pusilanimidade torna todas as obras tropegas, d��-lhes uma express?o estafada; e a n��s, que partimos, a gera??o que chega faz-nos o effeito de sahir velha do ber?o e de entrar na arte de muletas.
Os documentos das nossas primeiras loucuras de cora??o queim��mol-os ha muito, os das nossas extravagancias de espirito desejamos que fiquem. Aos vinte annos �� preciso que alguem seja estroina, nem sempre talvez para que o mundo progrida, mas ao menos para que o mundo se agite, Para ser ponderado, correcto e immovel ha tempo de sobra na velhice.
Na arte, a indisciplina dos novos, a sua rebelde for?a de resistencia ��s correntes da tradi??o, �� indispensavel para a revivescencia da inven??o e do poder criativo, e para a originalidade artistica. Ai das litteraturas em que n?o ha mocidade! Como os velhos que atravessaram a vida sem o sobressalto de uma aventura, n?o haver�� n'ellas que lembrar. Al��m de que, para os que na edade madura foram arrancados pelo dever ��s facilidades da improvisa??o e encontram n'esta regi?o dura das coisas exactas, entristecedora e mesquinha, onde, em logar do esplendor dos heroismos e da belleza das paix?es, s�� ha a pequenez dos caracteres e a miseria dos sentimenos, seria d?ce e reconfortante ouvir de longe a longe, nas manh?s de sol, ao voltar da primavera, zumbir no azul, como nos bons tempos, a doirada abelha da phantasia.
A ultima raz?o que nos leva a n?o repudiar este livro, �� que elle �� ainda o testemunho da intima confraternidade de dois antigos homens de lettras, resistindo a vinte annos de prova??o nos contactos de uma sociedade que por todos os lados se dissolve. E, se isto n?o �� um triumpho para o nosso esp��rito, �� para o nosso cora??o uma suave alegria.
Lisboa, 14 de dezembro de 1881
De V.
Antigos amigos
E?a de Queiroz
Ramalho Ortig?o
+O MYSTERIO DA ESTRADA DE CINTRA+

+EXPOSI??O DO DOUTOR*** +
I
Sr. redactor do Diario de Noticias
Venho p?r nas suas m?os a narra??o de um caso verdadeiramente extraordinario em que intervim como facultativo, pedindo-lhe que, pelo modo que entender mais adequado, publique na sua folha a substancia, pelo menos, do que vou exp?r.
Os successos a que me refiro s?o t?o graves, cerca-os um tal mysterio, envolve-os uma tal apparencia de crime que a publicidade do que se passou por mim torna-se importantissima como chave unica para a desencerra??o de um drama que supponho terrivel com quanto n?o conhe?a d'elle sen?o um s�� acto e ignore inteiramente quaes foram as scenas precedentes e quaes tenham de ser as ultimas.
Ha tres dias que eu vinha dos suburbios de Cintra em companhia de F..., um amigo meu, em cuja casa tinha ido passar algum tempo.
Montavamos dois cavallos que F... tem na sua quinta e que deviam ser reconduzidos a Cintra por um criado que viera na vespera para Lisboa.
Era ao fim da tarde quando atravess��mos a charneca. A mellancolia do logar e da hora tinha-se-nos communicado, e vinhamos silenciosos, abstrahidos na paizagem, caminhando a passo.
A cerca de talvez de meia distancia do caminho entre S. Pedro e o Cacem, n'um ponto a que n?o sei o nome, porque tenho transitado pouco n'aquella estrada, sitio deserto como todo o caminho atrav��s da charneca, estava parada uma carruagem.
Era um coup�� pintado de escuro, verde e preto, e tirado por uma parelha c?r de castanha.
O cocheiro, sem libr��, estava em p��, de costas para n��s, diante dos cavallos.
Dois sujeitos achavam-se curvados ao p�� das rodas que ficavam para a parte da estrada por onde tinhamos de passar, e pareciam occupados em examinar attentamente o jogo da carruagem.
Um quarto individuo, egualmente de costas para n��s, estava perto do vallado do outro lado do caminho, procurando alguma cousa, talvez uma pedra para cal?ar o trem.
�� o resultado das sobrodas que tem a estrada, observou o meu amigo. Provavelmente o eixo partido ou alguma roda desembuxada.
Passavamos a este tempo pelo meio dos tres vultos a que me referi, e F... tinha tido apenas tempo de concluir a phrase que proferira, quando o cavallo que eu montava deu repentinamente meia volta rapida,
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