n'isso a desgoste ou desenfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe
as passadas,
Eu vejo-a, com real solemnidade,
Ir impondo toilettes
complicadas!...
Em si tudo me attrae como um thesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem um timbre de oiro
E o seu nevado e lucido
perfil!
Ah! Como m'estontêa e me fascina...
E é, na graça distincta do seu
porte,
Como a Moda superflua e feminina,
E tão alta e serena como
a Morte!...
Eu hontem encontrei-a, quando vinha,
Britannica, e fazendo-me
assombrar;
Grande dama fatal, sempre sósinha,
E com firmeza e
musica no andar!
O seu olhar possue, n'um fogo ardente,
Um archanjo e um demonio a
illuminal-o;
Como um florete, fere agudamente,
E afaga como o
pello d'um regalo!
Pois bem. Conserve o gelo por esposo,
E mostre, se eu beijar-lhe as
brancas mãos,
O modo diplomatico e orgulhoso
Que Anna
d'Austria mostrava aos cortezãos.
E emfim prosiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramatica,
cortante;
Que eu procuro fundir na minha chamma
Seu ermo
coração, como um brilhante.
Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os barabaros
reaes;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam
os punhaes.
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o setim do Azul e as
andorinhas,
Eu hei-de ver errar, allucinadas,
E arrastando
farrapos--as rainhas!
SEPTENTRIONAL
Talvez já te esquecesses, ó bonina,
Que viveste no campo só
commigo,
Que te osculei a bocca purpurina,
E que fui o teu sol e o
teu abrigo.
Que fugiste commigo da Babel,
Mulher como não ha nem na
Circassia,
Que bebemos, nós dois, do mesmo fel,
E regámos com
prantos uma acacia.
Talvez já te não lembres com desgosto
D'aquellas brancas noites de
mysterio,
Em que a lua sorria no teu rosto
E nas lages que estão no
cemiterio.
Quando, á brisa outoniça, como um manto,
Os teus cabellos d'ambar
desmanchados,
Se prendiam nas folhas d'um acantho,
Ou nos bicos
agrestes dos silvados,
E eu ia desprendel-os, como um pagem
Que a cauda solevasse aos
teus vestidos;
E ouvia murmurar á doce aragem
Uns delirios d'amor,
entristecidos;
Quando eu via, invejoso, mas sem queixas,
Pousarem borbeletas
doudejantes
Nas tuas formosissimas madeixas,
D'aquellas côr das
messes lourejantes,
E no pomar, nós dois, hombro com hombro,
Caminhavamos sós e de
mãos dadas,
Beijando os nossos rostos sem assombro,
E colorindo
as faces desbotadas;
Quando ao nascer d'aurora, unidos ambos
N'um amor grande como
um mar sem praias,
Ouviamos os meigos dithyrambos,
Que os
rouxinoes teciam nas olaias,
E, afastados da aldeia e dos casaes,
Eu comtigo, abraçado como as
heras,
Escondidos nas ondas dos trigaes,
Devolvia-te os beijos que
me déras;
Quando, se havia lama no caminho,
Eu te levava ao collo sobre a
greda,
E o teu corpo nevado como o arminho
Pesava menos que um
papel de sêda...
E foste sepultar-te, ó seraphim,
No claustro das Fieis emparedadas,
Escondeste o teu rosto de marfim
No véu negro das freiras
resignadas.
E eu passo, tão calado como a Morte,
N'esta velha cidade tão sombria,
Chorando afflictamente a minha sorte
E prelibando o calix da
agonia.
E, tristissima Helena, com verdade,
Se podéra na terra achar
supplicios,
Eu tambem me faria gordo frade
E cobriria a carne de
cilicios.
MERIDIONAL
Cabellos
Ó vagas de cabello esparsas longamente,
Que sois o vasto espelho
onde eu me vou mirar,
E tendes o crystal d'um lago refulgente
E a
rude escuridão d'um largo e negro mar;
Cabellos torrenciaes d'aquella que m'enleva,
Deixae-me mergulhar as
mãos e os braços nús
No barathro febril da vossa grande treva,
Que
tem scintillações e meigos ceos de luz.
Deixae-me navegar, morosamente, a remos,
Quando elle estiver
brando e livre de tufões,
E, ao placido luar, ó vagas, marulhemos
E
enchamos de harmonia as amplas solidões.
Daixae-me naufragar no cimo dos cachopos
Occultos n'esse abysmo
ebanico e tão bom
Como um licor rhenano a fermentar nos copos,
Abysmo que s'espraia em rendas de Alençon!
E ó magica mulher, ó minha Inegualavel,
Que tens o immenso bem
de ter cabellos taes,
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbavel,
Entre o rumor banal dos hymnos triumphaes;
Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exhalas da cabeça
erguida com fulgor,
Perfume que estontêa um millionario avaro
E
faz morrer de febre um louco sonhador.
Eu sei que tu possues balsamicos desejos,
E vaes na direcção
constante do querer,
Mas ouço, ao ver-te andar, melodicos harpejos,
Que fazem mansamente amar e elanguescer.
E a tua cabelleira, errante pelas costas,
Supponho que te serve, em
noites de verão,
De flaccido espaldar aonde te recostas
Se sentes o
abandono e a morna prostração.
E ella hade, ella hade, um dia, em turbilhões insanos
Nos rolos
envolver-me e armar-me do vigor
Que antigamente deu, nos circos
dos romanos,
Um oleo para ungir o corpo ao gladiador.
Ó mantos de veludo esplendido e sombrio,
Na vossa vastidão posso
talvez morrer!
Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio
E
quero asphyxiar-me em ondas de prazer.
IRONIAS DO DESGOSTO
«Onde é que te nasceu»--dizia-me ella ás vezes--
«O horror calado e
triste ás cousas sepulcraes?
«Porque é que não possues a verve dos
Francezes
«E aspiras, em silencio, os frascos dos meus saes?
«Porque é que tens no olhar, moroso e persistente,
«As sombras d'um
jazigo e as fundas abstracções,
«E abrigas tanto fel no peito, que não
sente
«O abalo feminil das minhas expansões?
«Ha quem te
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