Novelas do Minho | Page 8

Camilo Castelo Branco
canhestra, os seus saltos de ovelha espantadi?a, e o fluido do olhar que ella derramava remirando-o de esconso, escandeceram Smith. Era atrevido como todos os sujeitos de cereb��llo grande, onde demora a bossa da amatividade. A lua cheia de junho e julho viu coisas que a poesia costuma idear nas varandas das Julietas, e que a prosa espreita em qualquer horta de couve gallega por entre fest?es de abobora-menina.
O bacharel Abreu n?o viu tanto como a casta lua; mas farejou. O rival tinha o prestigio que esmaga com a superioridade. O cora??o do homem trahido abysma-se a chorar na consciencia que diz: ?Eu valho menos que o meu rival?. Enfureceu-se, e vozeou rusticidades �� prima, que lh'as escutou como quem as recebe impassivelmente com a condi??o de prejurar. N?o se desculpou nem carpiu. Aborrecia-o, porque era irrisorio desde o duello, e porque estava perdida d'amor, fulminada por Jacques Smith, bom typo da perfei??o viril, tirante as escrofulas cicatrizadas no pesco?o.
Alvaro de Abreu foi para a sua aldeia. Jacques voltou em principios de agosto, com Jos�� de Almeida, para a praia da Foz.
Perguntando-lhe Almeida se a morgadinha de Athey pass��ra �� historia, respondeu:
--Pois ent?o!
--Era uma rapariga fresca...--tornou o outro.
--Sim, fresca e indigesta como a melancia.
* * * * *
Em uma gazeta do Porto, de 15 de novembro do mesmo anno de 1851, lia-se esta correspondencia datada no Arco:
Esta villa soffreu a perda irreparavel de um cavalheiro consummado em toda a extens?o da palavra e representante de uma familia, talvez a mais illustre das provincias do norte, pois entre os seus avoengos se conta o grande e immortal Duarte Pacheco Pereira, por antonomasia o ?Achilles lusitano?, e o ?Le?o dos mares?.
Hontem de manh? sahira o sr. Jo?o Pacheco a visitar uma sua prima em Refojos de Basto, onde passou o dia at�� ��s 4 horas da tarde. O cavallo em que montava era um p?tro n?o educado ainda, e comprado nas manadas hespanholas que vieram �� feira de S. Miguel. Os seus amigos, posto que Jo?o Pacheco fosse optimo cavalleiro, muitas vezes lhe observaram que os caminhos precipitosos destas aldeias eram improprios para ensinar p?tros. Fiado, por��m, na destreza do pulso e firmeza de joelhos, o temerario cavalleiro rompia por esses algares e barrocaes com um den?do digno de melhor emprego. Realizaram-se funestissimamente as previs?es dos seus amigos.
Ao luzco-fuzco entrou pelo port?o da caza de Val-Escuro o p?tro sem o cavalleiro, com as redeas e brid?es despeda?ados. O mesmo foi levantar-se na caza um clamor a que todos os visinhos acudiram. Jo?o Pacheco era extremosamente amado por trez tias, respeitaveis senhoras, que n?o viam outra coisa n'este mundo. Amigos e creados, sahimos todos pelo caminho de Refojos; e a meia legua de distancia, em um barrocal fundo e lamacento (espectaculo doloroso!) encontramos o cadaver de Jo?o Pacheco, de bru?os, com as m?os submersas no lama?al, e sem gotta de sangue que denunciasse o org?o ferido. Como era j�� escuro, e o cadaver s�� podia levantar se depois do exame judiciario, ali ficamos alguns amigos at�� ao dia guardando os despojos de t?o nobre mo?o, desastradamente morto na flor da vida! O cirurgi?o examinou-o, e apenas lhe encontrou o craneo amolgado, sem extravasa??o de liquidos, excepto dois fios de sangue que derivavam do nariz. Presume-se com bom fundamento que o cavallo o cuspira contra uma rocha angulosa que forma um dos vallados da barroca; por que tambem na palma da m?o direita mostra contus?es resultantes de se amparar contra as escarpas do penhasco. N?o pode attribuir-se esta catastrophe a outra causa que n?o seja a queda. Se fosse homicidio, seriam outros os vestigios de ferimentos; alem de que, Jo?o Pacheco era bem-quisto, honestissimo, respeitador da honra das familias, n?o obstante haver sido creado e educado em Lisboa. Alem de rico, era um gentil mo?o; pois n?o consta que deitasse a perder alguma d'essas centenas de mo?as pobres que se consideram felizes quando os fidalgos as levam �� vereda da deshonra.
N��s, os seus amigos, choral-o-hemos em quanto as suas virtudes lembrarem como exemplo a filhos e a cidad?os. Que descance na perpetua morada da virtude o t?o chorado mancebo; e pe?a ao Altissimo resigna??o para as suas inconsolaveis tias!...
Quando li compungido esta correspondencia lembraram-me as palavras de Pacheco, na ultima hora em que o vi: N?o vos admireis, se um dia vos constar que fui assassinado �� trai??o. Communiquei a minha desconfian?a a Jos�� de Almeida.
--Palpita-me que foi assassinado pelo Abreu!--concordou o meu amigo, e accrescentou:--Escrevo hoje ao abbade de St.^a Eulalia, citando-lhe as palavras de Jo?o Pacheco, e pedindo os pormenores do desastre.
O abbade respondeu que eram infundadas as nossas desconfian?as: por quanto, no dia 11, em que Jo?o Pacheco perec��ra, estava Alvaro de Abreu na feira de S. Martinho em Penafiel com elle abbade e com as senhoras morgadas de Athey; e
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