Novelas do Minho | Page 9

Camilo Castelo Branco
que por signal n'esse dia perd��ra o Abreu cento e tantas moedas de ouro ao monte, �� vista de dezenas de pessoas que nunca o tinham visto jogar...
E rematava a carta d'este theor:
Os namorados fizeram as pazes. A pequena veio das Caldas muito coada de c?res e com grandes... olheiras.--(ia a escrever ?orelhas?) Nos primeiros dias, enfanicava-se a cada passo, e dava uns ais romanticos como as damas de Basto de 1825. Infandum... renovare dolorem. Depois, a m?e, que tambem �� matreira de 1825, escreveu ao Abreu dizendo-lhe que sua filha era victima da ingratid?o d'elle. Aquella ?lua cheia? de Vizella, de que V. S.^a me fallava, n?o foi ouvida a tal respeito. Ora o Abreu quer me parecer que sabia pouco menos que a referida Tetis, e que o janota luso-britannico de que reza a chronica escandalosa das thermas romanas no corrente anno, 1890, da era de Cezar. Por��m como o patrimonio d'elle �� magro, e as fazendas de Athey s?o de encher (e de fechar) o olho, V. S.^a ver�� que, a final, a morgadinha, embora n?o tenha que desatar a cinta virginal, apanha marido, parente, fidalgo e bacharel. Se, depois, as costellas lh'o pagar?o, isso n?o �� da minha conta. L�� se avenham; mas melhor ser�� que elle se resigne, e feche os olhos como no duello, por quanto saco com honra e proveito �� raro, ou n?o o ha, se o anexim �� t?o verdadeiro, quanto eu sou de V. S.^a amigo e venerador, Abbade Silva.
* * * * *
No anno seguinte, a floresta de amieiros do Vizella j�� n?o deu sombra e frescura a nenhum dos seus hospedes do anno anterior.
A Jos�� de Almeida e a mim figurou-se-nos que as frondas do salgueiral afestoavam um tumulo. Doeu-nos pungentissima a saudade de Jo?o Pacheco. Nunca mais alli volt��mos.
Estavam nas Caldas a morgada velha e o abbade de Santa Eulalia.
Irene e seu marido Alvaro de Abreu esperavam-se mais tarde.
Esperava-os D. Helena; mas o abbade secretamente nos disse que D. Irene nem o marido tornariam a Vizella em dias de sua vida. Segredou-nos que a morgadinha, ao oitavo dia de cazada, tentara fugir para a m?e...
--Oh!--exclamou Almeida--ao oitavo dia! que lua de mel!
--A meu ver--piscou o abbade entortando a bocca disformemente--esta lua de mel recebia a luz reflexa d'aquell'outra lua-cheia aqui das Caldas, t?o sua conhecida, sr. Almeida...
--Magan?o! o abbade �� o calendario de todas as luas que alumiam ha trinta annos os amores nocturnos de Vizella...
--O que o sr. n?o sabe �� que o marido lhe bate ��s cegas...
--Sim? Agora vejo que o homem, no duello, obedecia ao costume.
--E, quando sahe, fecha-a n'um quarto de cantaria que l�� chamam a ?torre,? e at�� dos creados a zela!
--Que amor, e que conceito ella lhe merece!--disse Almeida com a seccura ironica do seu genio quando as situa??es demandavam piedade.
--Eu vi-a ha quinze dias na egreja de Refojos. Que mudan?a! Est�� escaveirada, sem atavios, o desalinho da desgra?a... Fez-me compaix?o! O marido estava �� beira d'ella; n?o pude se quer dizer-lhe que fugisse.
--Mas a m?e... assim a deixa desprotegida?
--A m?e definha-se; e n?o sabe tudo o que ella soffre, porque a filha n?o se queixa...
--N?o intendo essa resigna??o!--objectou Almeida.
--Intendo-a eu. Irene era descompassadamente estupida a respeito de certas coizas...
--A respeito de todas, pensava eu--emendou o portuense.
--Cuidou que o matrimonio era o concerto de certos aleij?es com que f?ra d'aqui de Vizella.
--Fez do marido algebrista, percebo.
--�� isso; mas o bacharel tem l�� os seus Provar��s...
--De cac��te, eim?
--E a mulher tem medo que o marido pe?a contas �� sogra dos desatinos da filha.
--As meninas que em taes condi??es se casam, n?o temem as m?es, abbade. Casou ella livremente?
--Com toda a liberdade, e contra a vontade da m?e. Tanto assim que a velha, prevendo que o Abreu seria m��o esposo, entregou-lhe simplesmente o que era do pai da noiva: setenta mil cruzados em propriedades. A casa vale o trezdobro. Foi velhacaria muito louvavel: por que dizia ella:--se o marido a maltratar, amea?o-o com a priva??o do meu dote, que �� privilegiado e izento da mea??o da caza--�� o que ella est�� ensaiando: j�� annunciou a venda de duas quintas. Veremos como elle se porta...
--Por essas duas quintas fechar�� o genro os olhos ao passado e ao futuro. Elle bem sabia que Irene o despresou pelo Jacques Smith. Que alentado canalha salpicado de braz?es? N?o posso despersuadir-me que foi elle o assassino do infeliz Pacheco...
--Juro que n?o foi: j�� o defendi.
--Ent?o, mandou-o matar.
--Isso �� uma hypothese sem nenhum fundamento. No cadaver de Jo?o Pacheco n?o havia signal de ferro, nem de tiro, nem contus?es de pancadas. Foi queda do cavallo, que era bravo. N?o d�� vulto a essa suspeita aleivosa.
* * * * *
Joeirando as minhas reminiscencias de coisas relativas a Irene, referidas pelo abbade em cartas a Jos�� de Almeida, apuro o seguinte,
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