Novelas do Minho | Page 6

Camilo Castelo Branco
os assombros da catastrophe.
--Jesus, santo nome!--exclamou o padre--Eu vou avisar o regedor, se me d�� licen?a; e quer d�� quer n?o, o meu dever �� evitar tal desgra?a.
--N?o evita nada, abbade. O regedor s�� pode prend��l-os no conflicto de transgredirem a lei. Quem sabe o logar onde elles v?o matar-se!?
O abbade apertou o passo, retrocedendo para caza de D. Helena. Entrou offegante e roxo. Assoprava as palavras e embebia no len?o vermelho as bagas de suor que lhe bolhavam na testa. Referiu o que soubera de Jos�� de Almeida. Irene, que estava ceando bifes de cebolada, foi logo atacada de hysterismo, e a m?e arrotava nas ancias spasmodicas do flato. Outro padre que ali estava, capell?o e administrador da casa de Athey, pegou a declamar contra a relaxa??o do paiz, desde 33 para c��.
--Sr.^a morgada!--alvitrou o abbade atalhando a objurgatoria politica do outro--aqui perto de n��s mora o sr. Jo?o Pacheco. Se v. ex.^a quer, vamos l��. �� impossivel que este cavalheiro resista ��s reflex?es de uma senhora que elle tanto venera!...
--�� j��--assentiu D. Helena cobrindo-se com o chale, e recommendando ao capell?o que fizesse companhia �� menina.
Quando entraram, havia conferencia entre os padrinhos de Alvaro e Jos�� de Almeida. Jo?o Pacheco, segundo o estylo, n?o era prezente; mas, contra o estylo, em taes andan?as, estava a dormir. Foi chamado para receber a visita da sr.^a morgada. Espertou estrouvinhado, e foi �� sal��ta onde a senhora dialogava anciadamente com Almeida e com os outros, �� cerca do desafio. O portuense havia j�� annunciado que as condi??es mortiferas do duello estavam modificadas. Abreu, coagido pelos padrinhos, prescindira de morrer, e propunha o combate nos termos communs.
Afim de applacar as agonias flatulentas da viuva, Pacheco asseverou-lhe que n?o haveria ferimento de perigo. Quanto a recuzar-se ao desafio, consoante a dama rogava, allegou que a sua dignidade lh'o prohibia. Redarguiu a consternada senhora que ia pedir a seu primo Alvaro que desistisse do duello.
--Se elle desistir--observou Pacheco--tem v. ex.^a conseguido o seu bom intento; mas colloca o seu parente em m�� posi??o perante os cavalheiros em quem confiou a desafronta da sua imaginaria deshonra. V�� descan?ada, minha senhora. O seu futuro genro n?o soffrer�� mutila??o de especie alguma. O nosso combate ser�� um simulacro de esgrima, uma especie de gymnastica de sala com espadas sem ponta nem gume.
* * * * *
Ao repontar da manh?, atravessamos o Vizella por umas alpondras sobre as quaes se encurvam hoje os arcos da Ponta nova. Trinavam ainda os rouxinoes nas margens frondosas do rio, e ao longe assobiavam melros e grasnavam as p��gas nos pinheiraes. A corrente murmurosa trapejava nas fran?as dos amieiros debru?ados �� fl?r da agua. D'ahi ladeamos o banho do Mourisco, �� volta do qual estavam umas mulheres aldeans espulgando-se nos seios com um despejo digno da innocencia da Arcadia. Os homens respectivos escodeavam as callosidades calc��neas ou attarracavam tachas nos tamancos. Depois subimos uma charneca declivosa por onde hoje se alarga e complana a estrada de Penafiel, e entramos em uma encosta de tojeiras e sarga?aes. Carregamos �� esquerda, fraldejando o outeiro por sobre o brav��o, e emboscamo-nos por boi?as de carvalheiras at�� encontrarmos uma clareira chan e menos accidentada.
--�� aqui--disse Almeida aos padrinhos de Alvaro.
Os combatentes despiram as quinzenas e os colletes.
Os pulsos de Alvaro negrejavam cabelludos e quadrados, de uns que o povo diz que tem s�� uma cana, como signal de rijeza inquebrantavel: os dedos eram pennugentos e trigueiros, com as unhas sujas. As m?os de Jo?o Pacheco eram magras, translucidas e depauperadas do bom sangue que tinge a epiderme. O que me deu a mim alento e esperan?a na victoria de Pacheco, foi o sereno e risonho aspeito do mo?o, e a confian?a na arte que neutralisa os impetos da for?a.
Rompeu o combate �� voz de Jo?o de Almeida. Alvaro de Abreu--cazo singular!--fechou os olhos, e floreou a espada em sarilho tal que o adversario lhe cedeu terreno, aparando-lhe uns botes, e esquivando o embate dos outros. Eu seguia anciado aquelle vertiginoso redemoinho do a?o que lampejava, e o tin��do asperrimo das laminas. Jo?o Pacheco bradou:
--P��re la!
Alvaro estacou, provavelmente cuidando que o adversario estava ferido.
--Este homem--disse o outro ��s testemunhas--f��cha os olhos, n?o se defende, e eu involuntariamente posso matal-o!
--Se me permitte uma reflex?o,--interpoz-se Almeida dirigindo se a Alvaro de Abreu--o sr. est�� enganado com o seu systema de esgrimir ��s cegas. Como hade ver a espada do seu contendor?
--N?o sei jogar espada--respondeu elle--Fa?o o que sei e posso.
--Vejo que pode: mas o que sabe �� perigoso--contestou Almeida--V. S.^a era ja cadaver, se o quizesse o sr. Pacheco. Bata como quizer, mas veja o que faz: abra os olhos.
--Parece-me acertado--obtemperou um braguez com assentimento do outro.
Recuaram ao ponto designado no terreno. Rompeu Alvaro no mesmo estylo de pancada de cego, mas com os olhos coruscantes e esbugalhados. Jo?o
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