idéas te inspirárão? Como intentaste ousada ter imperio No
coração d'hum Principe? Não vias A distancia empinada, inaccessivel,
Que do teu berço vai ao Throno excelso?
Ign. Quando amante paixão nos predomina, Offuscada a razão, a
ninguem lembrão As distincções fataes do berço, e sangue. São iguaes
ante amor os mortaes todos: De virtude sómente se enamora Huma
alma virtuosa: só virtudes Convidárão Ignez a amar teu filho.
Af. E atreves-te a fallar inda em virtude? Não profanes palavra tão
sagrada; Antes dize que estólida esperança, Avidez de reinar, te fez
culpada. Talvez da minha já cançada vida Contando os longos
importunos dias, Te tardava o momento suspirado, Em que, baixando
Affonso á sepultura, Vazio o Throno, aos teus desejos franco, Te
cingisse o Diadema a indigna fronte.
Ign. Que injustiça!.. Minha alma não conheces, Não conheces de amor
o desint'resse: Quem ama, só deseja ser amado. E a par de hum coração
como o de Pedro, Os Diademas que são? Que vale o Mundo? Quem de
seu terno peito o imperio obteve, Mais imperio não quer: nem se
deslumbrão As almas grandes c'o esplendor do Throno. Quando a amor
succumbi, do Solio estava Mais longe que o meu berço a minha idéa;
Por isso não medi como devêra A declive distancia que os separa; Mas
hoje a vejo assaz, e mais deploro A condição do Principe, que a minha;
Quizera que tivesse antes nascido Vassallo o meu amante, que eu
Princeza: Longe de o cobiçar, detesto o Throno: Nelle diviso só
barreira odiosa, Que entre peitos sensiveis sorte adversa Alçou para que
nunca unir-se possão... Sei que sou infeliz... e o serei sempre.
Af. Podes inda evitar maior desgraça; Quem logo que o conhece o
crime atalha, A innocencia recobra. Extingue, ó Castro, As criminosas
chammas que sopraste; Quanto são detestaveis não ignoras, E bem vês
que nutri-las mais não podes. Antes pois que do Principe te affastes, (A
tão graves delictos leve pena, Que hum benigno Monarcha te destina)
Teu completo perdão merecer busca. Tu mesma de seus erros o
dissuade, E o convence a cingir-se aos dignos laços Do plausivel
consorcio que lhe ordeno: Concorre para o público socego, Em vez de o
perturbar: não exacerbes Pertinaz em teu crime as minhas iras. Teme o
castigo atroz de que és credora, Se ao coração do Principe as que
urdiste Prisões abominaveis não desatas.
Ign. Muito exiges de mim!.. Ah! Se eu podesse As algemas romper que
nos vinculão, Só por te obedecer (crê-me) o fizera: Mas como n'hum
momento arrancar posso Do peito de teu filho sentimentos, Que amor,
e sympathia originárão? Para sempre deixar a terna amante, E subito ir
lançar-se em braços de outra!.. Se elle tivesse huma alma tão voluvel,
Por ama-lo increpada eu não seria? Que proferi?.. Deliro... Oh Ceos...
Perdôa... Perdôa-me, Senhor, talvez o tempo... Extinguir poderá... Não
sei que digo.
Af. Basta: immudece já, mulher soberba. De sobejo em tua alma tenho
entrado. Ousas alardear, ante mim proprio, Do mais nefando crime! Ah!
que castigos Bastarão a punir teus attentados! Tudo quanto ha de
horrivel...
SCENA VI.
D. Affonso, Ignez, Coelho, e Pacheco.
Coel. ...................... De Castella Embaixador chegou, que Audiencia
pede.
Af. Entrar póde.
Scena. VII.
D. Affonso, Ignez, e Pacheco.
Af. .......... Retira-te atrevida; De meus olhos te affasta; vai, que em
breve Te serão minhas ordens intimadas.
Ign. Humilde, e respeitosa hei de cumpri-las. Mas só te rogo que, antes
de punir-me, Te dignes sem paixão sondar meu crime; Pois se pezares
bem os meus delictos, Espero que me julgues desculpavel.(19)
(19) Retira-se Ignez, e D. Affonso fica pensativo, em quanto Pacheco
falla.
SCENA VIII.
D. Affonso, e Pacheco.
Pac. Que insolente altivez ostentar ousa!.. Eu te lamento, ó Rei, quando
te vejo Na dura precisão de repellires Da tua alma os impulsos
compassivos, Constrangido a punir asperamente, Para evitar terriveis
consequencias.
SCENA IX.
D. Affonso, Coelho, Pacheco, e o Embaixador.
Emb. A Filha do meu Rei, que te saúda, Já dos Dominios teus piza as
fronteiras; Mas o boato geral de que teu filho, Por violenta paixão
allucinado, De Beatriz ao consorcio se recusa, Aos ouvidos chegou do
meu Monarcha, Que me ordena te diga, e te assegure, Que se com tal
repulsa, em seu desdouro, O Tractado solemne for violado, (O que elle
não espera) dignamente Saberá sustentar a toda a força O decoro da
filha, e do seu Throno.
Af. Dize da minha parte ao teu Monarcha, Que para dissipar seus vãos
receios, Bastaria lembrar-se que os Reis Lusos, Fidelissimos sempre,
seus Tractados Sabem desempenhar: não porque temão, Quaesquer que
sejão, estrangeiras forças; Mas por dever, por gloria, e por costume. E
para lhe mostrar como procedo, Hoje mesmo desterro de meus Reinos,
E á sua guarda entrego Ignez de Castro, Que elle julga estorvar da
Infanta
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