longo tempo Com bem custo arrastei... Supportar
outros... Ah! Não, Senhor, não posso.
Af. ...................... Temerario! Basta já de soffrer hum filho ingrato. Se
aos rogos, ás razões de hum Pai benigno Tu não queres ceder; cede aos
preceitos De hum Monarcha severo, e justiçoso. Eu dei minha palavra,
has de cumpri-la: Os tratados dos Reis não são falliveis: Debalde pois
te oppões...
Ped. ................... Mas ah! Pondéra...
Af. Tenho em fim decidido. Acaso queres, Deixando de cumprir o meu
Tratado, Entre os Povos soprar horrenda guerra? Queres vêr Portugal
nadando em sangue? Contra nós conspirada a Europa inteira,
Abraçando o partido de Castella, Vir vingar sua injuria? Ah!...
Ped. ......................... Que recêas? Portugal vencedor, nunca vencido,
Zombará do poder do Mundo inteiro. Tão ousada será, tão nescia a
Hespanha, Que contra nós se atreva a mover guerra? Não ha de inda
lembrar-se o seu Monarcha, Que te deve os Dominios que possue? Que
ha bem pouco, cercado de inimigos, Vendo nas mãos o Sceptro
vacillante, Mandou a propria Esposa, filha tua, A implorar-te que fosses
soccorre-lo, Ou antes sobre o Throno sustenta-lo? E que do filial pranto
commovido, Não contente em mandar-lhe tuas Tropas, Tu proprio á
testa dellas generoso Quizeste ir debellar seus inimigos, E segurar-lhe a
C'roa na cabeça? Ha de offender quem soube defende-lo! Quem pode,
apenas queira, anniquila-lo? Não; quem vio pelejar, ao teu commando
Nas margens do Salado os Portuguezes, A atacar Portuguezes não se
atreve; E se o tanto chegar a sua insania, Á maneira dos seus
antepassados, Chorando o opprobrio de ficar vencido, Caro lhe custará
seu louco arrojo. Oxalá que elle á guerra nos convide! Poderia teu filho
então mostrar-te, Que te sabe imitar quando he preciso, Novos louros
cingindo ao teu Diadema.
Af. Que desatino! Oh Ceos!.. Eu me envergonho De te haver dado o ser:
de te ouvir tremo... Tristes Vassallos meus, amados filhos, Que
Monarcha vos deixo sobre o Throno! Tu desejas a guerra? Esse flagello,
Que envergonha, e devasta a Humanidade? O capricho dos Reis que
imposta aos Povos? Ouve as lições de hum Pai, posto que iroso Só
devêra tractar do teu castigo. Eu não posso deixar quando te escuto, De
reprender-te, ó filho, e de ensinar-te: Talvez por ti mandado á sepultura,
Bem depressa no Throno me succedas; Não te esqueças então dos meus
dictames: Poupa o sangue dos miseros Vassallos, Do mais infimo
delles préza a vida Outro tanto que a tua; teme a guerra, Que ao proprio
vencedor sempre he funesta: No meio do triunfo os bons Reis chorão.
Nessa mesma tão célebre batalha, Que julgas me cingio de louro eterno,
Quando juncavão do Salado as margens Os montões de cadaveres sem
conto De infieis derrotados inimigos; Por perder trinta só dos meus
Soldados, Muito cara julguei esta victoria, E, dentro de mim proprio
recolhido, Mais pranto derramei, do que elles sangue. Os Reis devem
ser Pais de seus Vassallos; Nada mais que o seu bem deve
importar-lhes... Elle exige estas nupcias, que te ordeno; Suas vozes
escuto, e não as tuas. Já te disse que dei minha palavra, E torno-te a
dizer que has de cumpri-la. Affonso he teu Monarcha: mando, e basta.
Hoje mesmo comigo para a Corte Vê que deves partir, vai preparar-te.
Ped. Teus passos seguirei, porém debalde... Celebrar o consorcio que
pertendes... Quizera obedecer-te, mas não posso... Sem que te diga mais,
assaz te digo.
SCENA II.
D. Affonso só.
He possivel, oh Ceos, que assim meu filho Temerario resista aos meus
preceitos!.. Que cegueira! Que arrojo! He necessario Desarraigar-lhe
d'alma por violencia A funesta paixão que o traz de rojo: Mas de que
modo?.. Cumpre medita-lo... Seja em fim como for, desempenhado
Meu Tratado ha de ser: o ingrato filho, Em vez de hum Pai benigno,
hum Rei severo Ha de encontrar em mim. Oh lá, D. Nuno.(13)
(13) Chamando.
SCENA III.
D. Affonso, e D. Nuno.
Nun. Que me ordenas, Senhor?
Af. ....................... Os Conselheiros Vai chamar... mas espera, ahi vem
Pacheco.
SCENA IV.
D. Affonso, Pacheco, e D. Nuno.
Af.(14) Quem tal dissera, Amigo! Eu me envergonho Sómente de o
pensar: o iroso aspecto De hum Monarcha, de hum Pai, razões,
ameaços Nada bastante foi: ousa o rebelde Ás nupcias recusar-se, aos
meus preceitos; Mas ha de obedecer-me, aos Ceos o juro. Os meios
estudemos, que efficazes A sua contumacia vencer possão: Se
necessario for, inexoravel, Rigoroso serei.
(14) D. Affonso se dirige a Pacheco, e D. Nuno se afasta para o fundo
da Scena.
Pach. ......... Dever funesto He, Senhor, na verdade, o de hum Vassallo,
Que fiel ao seu Rei, bem que sensivel, Na precisão se vê de
supplicar-lhe, Que suffoque a piedade, e que castigue... Mas o int'resse
do Estado, e mais que tudo O decoro do Throno assim o exigem. De
incorrupta lealdade claras
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