Miniaturas Romanticas | Page 5

Sebastião de Magalhães Lima
censure, chamando-me--louco!
Louco!... porque não soube abafar a palpitação febril d'um sentimento
elevado e nobre!
Louco!... porque não tive a resignação, para oppôr ao marulhar
tremendo das vagas da desventura!
Louco!... porque cri na sanctidade do amor; ajoelhei perante um
archanjo celeste, e senti o fogo da inspiração a enroscar-se-me
voluptuosamente pelos membros!
Louco, emfim, porque soube desprezar a imbecillidade dos homens
pelo gozo ineffavel d'uma ventura celeste!
O suicidio é a suprema aspiração d'uma imaginação sublimemente
grandiosa, que, não podendo suster o vôo audacioso a que se arrojara,
se despenha fatalmente no oceano do nada.

E a resignação o que é?...
A immobilidade physica e moral, uma profunda negação do ser
humano, e uma violação flagrante dos verdadeiros sentimentos.
O homem, que vê o seu nome malbaratado, a sua honra vilipendiada;
sem ter uma mão caritativa, que lhe sirva de luz por entre as fragas
estereis da vida; sem mesmo um refrigerio para as chagas do seu pobre
coração; sem uma esperança, ao menos, que lhe acalente os sonhos
radiosos do existir durante o correr tempestuoso, que vai do berço á
sepultura: esse homem, digo, descrê da Providencia; torna-se cynico; e
vai buscar na ponta d'um punhal aquillo que não pôde encontrar no
meio d'essa sociedade estulta e devassa.
E, ainda haverá quem condemne o suicidio?!...
Condemna-o, sim, a mediocridade, porque o não comprehende; porque
lhe é mesmo impossivel conceber a lucta gigante que se trava a cada
passo nos espiritos altaneiros entre a razão e a vontade,--duas
faculdades de que depende toda a nossa vida e bem-estar terrestre.
Por isso, minha bondosa mãe, e deixe-me chamar-lhe assim nos ultimos
instantes do meu passamento neste mundo, abençôe pela derradeira vez
o seu desgraçado filho, que sem saudade abandona este theatro maldito,
para ir tributar perante o throno do Altissimo o sanctuario das puras
affeições e leal obediencia.
Adeus, minha desvelada mãe, e adeus para sempre. Não descreia do seu
filho, e lembre-se que só no céu se poderá encontrar a remuneração
condigna ás virtudes mundanas.--Mauricio.
Cecilia ficou como que petrificada, ao receber o golpe inesperado, que
lhe causara a carta de Mauricio. Desvairada pelo infortunio, assaltada
por uma visão sinistra e cruel, aquella extremosa mãe vendeu a sua casa
em Bemfica, que lhe era recordar amargo d'uma felicidade radiante e
fallaz, e recolheu-se a um convento, onde vive ainda hoje,
acompanhada pela resignação, e alimentada pela virtude esperançosa de
que um dia se irá reunir no seio do Creador áquelles dois martyres

bemaventurados, a quem o vulcão das paixões sorveu para sempre na
sua cratera de fogo.

*AMOUR ET CHAMPAGNE*

AMOUR ET CHAMPAGNE
Vive l'amour! Vive le champagne!...
O amor é o nosso heróe, mas um heróe comme il faut; o champagne o
seu condigno satellite.
A scena passa-se n'um baile, se bem me recordo.
O protogonista da acção é um mancebo de vinte annos, pouco mais ou
menos; alto, magro, de cabello e bigode alourado, testa rasgada e ampla,
olhos pequeninos e vivos, e com todos os signaes visiveis d'uma
imaginação eminentemente fogosa, mas, em parte, já obscurecida pelo
contínuo perpassar de medonhas orgias e pelo roçar de perigosas
paixões.
Agora, com estes preludios, leitor amigo, acompanhemos o nosso
personagem, e perscrutemos, sem escrupulo, alguns episodios da sua
tragica vida.
Silencio, pois!
Eil-o ali, áquelle cantinho! Lá caminha passo lento e medido! Os sons
da orchestra attráem-n'o irresistivelmente ao salão! Aquelle esplendor,
aquella voluptuosidade oriental, que se respira n'aquelle recinto ideal e
angelico, despertam em sua alma febril o enlevo de mais venturosos
dias, evocando á sua phantasia amortecida esses phantasmas crueis e
fagueiros, que outr'ora lhe alimentavam os doces sonhos do porvir.
Alvaro, dirigido para ali automaticamente, foi sentar-se na primeira
cadeira, que, ao acaso, encontrou.

A dança tornara-se delirante, e a sua alma, já de muito saturada com a
triste realidade do mundo, palpitava-lhe no seio com a violencia de
prolongadas e suaves sensações.
Senão quando, o som desconhecido d'uma voz argentina e doce lhe
attraíu a attenção desvairada por longinquas paragens.
Despertou do lethargo, o nosso galan. Acercou-se d'aquelle vulto
gracioso e nobre, e, convidando-o a dançar, entrou n'uma quadrilha.
Alvaro encarou tres vezes o seu mimoso par. Não sabia devéras, como
encetar a conversação. Dirigir-lhe alguns requebros frivolos e banaes,
em que tanto abundam estes bailes da nossa moderna sociedade, isso
não. Não se coadunava com a sua indole, em extremo sensivel, o
compendiar meia duzia de palavras semsabores, para entreter uma
dama, cuja belleza elle, aliás, admirava.
Era dura a collisão, mas tinha de acabar, e acabou com effeito,
explosiva, mas real.
E senão, ouçamos o resto do dialogo, se nos apraz. Esqueçamos, por
um momento, os outros pares dançantes, e concentremos a nossa
curiosidade sobre os heroes d'esta pequena scena, que intentamos
esboçar.
--Nem v. ex.^a é capaz de avaliar quanto foi poderoso
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