Marilia de Dirceo | Page 7

Tomás António Gonzaga
subo
Á lingoa, e
braço_.
_Nem creias que outro
Estylo tome,
Sendo eu o mestre,
A acção
teu nome_.
LYRA XXIV.
Encheo, minha Marilia, o grande Jove
De immensos animaes de toda
a especie
As terras, mais os ares,
O grande espaço dos salobros rios,
Dos negros, fundos mares.
Para sua defeza,
A todos dêo as armas,
que convinha;
Á sabia Natureza.
Dêo as azas aos passaros ligeiros;
Dêo ao peixe escamoso as
barbatanas:
Dêo veneno á serpente,
Ao membrudo Elefante a enorme tromba,
E ao Javali o dente.
Coube ao leão a garra:
Com leve pé saltando o
servo foge;
E o bravo touro marra.
Ao homem dêo as armas do discurso
Que valem muito mais que as
outras armas:

Dêo-lhe dedos ligeiros,
Que podem converter em seu serviço
Os ferros, e os madeiros;
Que tecem fortes laços,
E forjão raios com
que aos brutos cortão
Os vôos, mais os passos.
Ás timidas donzellas pertencerão
Outras armas, que tem dobrada
força:
Dêo-lhes a Natureza
Além do entendimento, além dos braços
As armas da belleza.
Só ella ao Ceo se atreve,
Só ella mudar póde o
gello em fogo,
Mudar o fogo em neve.
Eu vejo, eu vejo ser a formosura
Quem arrancou da mão de Coriolano
A cortadora espada.
Vejo que foi de Helena o lindo rosto
Quem pôz em campo armada
Toda a força de Grecia.
E quem tirou
o Sceptro aos Reis de Roma,
Só foi, só foi Lucrecia.
Se podem lindos rostos, mal suspirão,
O braço desarmar do mesmo
Achilles;
Se estes rostos irados
Podem soprar o fogo da descordia
Em póvos alliados;
Hes arbitra da terra;
Tu pódes dar, Marilia, a
todo o mundo
A paz, e a dura guerra.
LYRA XXV.

O cego Cupido hum dia
Com os seus Genios fallava,
Do modo que
lhe restava
De captivar a Dirceo.
Depois de larga disputa,
Hum dos Genios mais sagazes
Este
conselho lhe dêo:
As settas mais aguçadas,
Como se em roxa batessem,
Dão nos seus
peitos, e descem
Todas quebradas ao chão.
Só as graças de Marilia
Podem vencer hum tão duro,
Tão izento
coração.
A fortuna desta empreza
Consiste em armar-se o laço,
Sem que
sinta ser o braço,
Que lho prepara, de Amor.
Que elle vive como as aves,
Que já deixárão as pennas
No visco do
Caçador.
Na força deste conselho
O raivoso Deos socega,
E á tropa a honra
entrega
De o fazer executar.
Todos pertendem ganhá-la,
Batem as
azas ligeiros,
E vão as armas buscar.
Os primeiros se occultárão
Da Deosa nos olhos bellos;
Qual se
enlaçou nos cabellos;
Qual ás faces se prendêo.
Hum amorinho cansado
Cahio dos labios ao seio,
E nos peitos se
escondêo.
Outro Genio mais astuto
Este novo ardil alcança,
Muda-se n'uma
criança
De divino parecer.
Esconde as azas, e a venda;
Esconde as settas, e quanto
Póde dá-lo
a conhecer.
Ella que vê hum menino
Todo de graças cuberto,
Tão risonho, e tão
esperto
Alli sózinho brincar.

A elle endireita os passos;
Finge Amor ter medo, e a Deosa
Mais se
empenha em lhe pegar.
Ella corria chamando;
Elle fugia, e chorava:
Assim forão onde
estava
O descuidado Pastor.
Este, mal vio a belleza,
E o gentil menino, entende
A malicia do
traidor.
Põe as mãos sobre os ouvidos,
Cerra os olhos, e constante
Não quer
ver o seu semblante,
Não o quer ouvir fallar.
Qual Ulysses n'outra idade
Para illudir as Serêas
Mandou tambores
tocar.
Cupido, que a empreza via,
Julga o intento frustrado,
E de raiva
transportado
O corpo no chão lançou.
Traçou a lingoa nos dentes;
Mettêo as unas no rosto,
E os cabellos
arrancou.
O Genio, que se escondia
Entre os peitos da Pastora,
Erguêo a
cabeça fóra,
E o successo conhecêo.
Deixa o socego em que estava,
E vai ligeiro metter-se
No peito do
bom Dirceo.
Apenas c'o brando peito
Lhe tocou a neve fria,
Com o calor que
trazia
Lhe abrazou o coração.
Dá o Pastor hum suspiro,
Abre os seus olhos, e sólta
Do apertado
ouvido a mão.
Logo que virão os Genios
Ao triste Pastor disposto
Para ver o lindo
rosto,
Para as palavras ouvir.

Cada hum as armas toma,
Cada hum com ellas busca
Seu terno
peito ferir.
Com os cabellos da Deosa
Lhe fórma hum Cupido laços,
Que lhe
segurão os braços,
Como se fossem grilhões.
O Pastor já não resiste;
Antes beija satisfeito
As suas doces prizões.
LYRA XXVI.
O destro Cupido hum dia
Extrahio mimosas cores
De frescos lyros,
e rosas,
De jasmins, e de outras flores.
Com as mais delgadas pennas
Usa de huma, e de outra tinta,
E nos
angulos do cobre
A quatro bellezas pinta.
Por fazer pensar a todos
No seu lizo centro escreve
Hum letreiro,
que pergunta:
_Este espaço a quem se deve_?
Venus, que vio a pintura,
E lêo a letra engenhosa,
Pôz por baixo:
_Eu delle cedo;
Dê-se a Marilia formosa_.
LYRA XXVII.
Alexandre, Marilia, qual o rio
Que engrossando no Inverno tudo
arraza;
Na frente das cohortes
Cérca, vence, abraza
As Cidades mais fortes.

Foi na gloria das armas o primeiro,
Morrêo na flor dos annos, e já
tinha
Vencido o mundo inteiro.
Mas este bom Soldado, cujo nome
Não ha poder algum, que não
abata,
Foi, Marilia, sómente
Hum ditozo pirata,
Hum salteador valente.


Se não tem huma fama baixa, e escura;
Foi por se pôr ao lado da
injustiça
A insolente ventura.
O grande Cesar, cujo nome vôa,
Á sua mesma Patria a fé quebranta;
Na mão a espada toma,
Opprime-lhe a garganta,
Dá Senhores a
Roma.
Consegue ser heróe
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