por hum delicto;
Se acaso não vencesse
então seria
Hum vil traidor proscripto.
O ser heróe, Marilia, não consiste
Em queimar os Imperios: move a
guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Tambem o máo
tyranno.
Consiste o ser heróe em viver justo:
E tanto póde ser heróe
o pobre,
Como o maior Augusto.
Eu he que sou heróe, Marilia bella,
Seguindo da virtude a honroza
estrada.
Ganhei, ganhei hum throno.
Ah! não manchei a espada,
Não a
roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem
muito mais que o mundo inteiro
Huns tão ditosos laços.
Aos barbaros, injustos vencedores
Atormentão remorsos, e cuidados;
Nem descanção seguros
Nos Palacios cercados
De tropa, e de altos
muros.
E a quantos nos não mostra a sabia historia
A quem mudou
o fado em negro opprobrio
A mal ganhada gloria?
Eu vivo, minha bella, sim, eu vivo
Nos braços do descanço, e mais do
gosto:
Quando estou acordado,
Contemplo no teu rosto
De graças
adornado;
Se durmo logo sonho, e alli te vejo.
Ah! nem desperto,
nem dormindo sóbe
A mais o meu desejo.
LYRA XXVIII.
Cupido tirando
Dos hombros a aljava,
N'um campo de flores
Contente brincava.
E o corpo tenrinho
Depois enfadado,
Incauto reclina
Na relva do
prado.
Marilia formosa,
Que ao Deos conhecia,
Occulta espreitava
Quanto elle fazia.
Mal julga que dorme
Se chega contente,
As armas lhe furta,
E o
Deos a não sente.
Os Faunos, mal virão
As armas roubadas,
Sahirão das grutas
Soltando rizadas.
Acorda Cupido,
E a causa sabendo,
A quantos o insultão
Responde, dizendo:
_Temieis as settas
Nas minhas mãos cruas?
Vereis o que podem
Agora nas suas_.
LYRA XXIX.
O tyranno Amor risonho
Me apparece, e me convida
Para que seu
jugo acceite;
E quer que eu passe em deleite
O resto da triste vida.
_O sonoro Anacreonte_
(Astuto o moço dizia)
_Já perto da morte
estava,
Inda de amores cantava;
Por isso alegre vivia_.
_Aos negros, duros pezares
Não resiste hum peito fraco,
Se Amor o
não fortalece:
O mesmo Jove carece
De Cupido, e mais de
Baccho_.
Eu lhe respondo: _Perjuro
Nada creio ao que dizes;
Porque já te fui
sujeito,
Inda conservo no peito
Estas frescas cicatrizes_.
Amor, vendo que da offerta
Algum apreço não faço,
Me diz affoito
que trate
De ir com elle a combate
Peito a peito, braço a braço.
Vou buscar as minhas armas;
Cinjo primeiro que tudo
O brilhante
arnêz, e á pressa
Ponho hum elmo na cabeça,
Tomo a lança, e o
grosso escudo.
Mal no Campo me apresento,
Marilia (oh Ceos!) me apparece:
Logo os olhos me fita,
O meu coração palpita,
A minha mão
desfallece.
Então me diz o tyranno:
_Confessa louco o teu erro;
Contra as
armas da belleza
Não vale a externa defeza.
Dessa armadura de
ferro_.
LYRA XXX.
Junto a huma clara fonte
A mãi de Amor se sentou:
Encostou na
mão o rosto,
No leve somno pegou.
Cupido, que a vio de longe,
Contente ao lugar corrêo;
Cuidando
que era Marilia
Na face hum beijo lhe dêo.
Acorda Venus irada:
Amor a conhece; e então
Da ousadia, que teve,
Assim lhe pede o perdão:
_Foi facil, ó Mãe formosa,
Foi facil o engano meu;
Que o
semblante de Marilia
He todo o semblante teu_.
LYRA XXXI.
Minha Marilia,
Se tens belleza,
Da natureza
He hum favor.
Mas
se aos vindouros
Teu nome passa,
He só por graça
Do Deos de
amor,
Que terno inflamma
A mente, o peito
Do teu Pastor.
Em vão se virão
Perlas mimosas,
Jasmins, e rosas
No rosto teu.
Em vão terias
Essas estrellas,
E as tranças bellas
Que o Ceo te dêo;
Se em doce verso
Não as cantasse
O bom Dirceo.
O voraz tempo
Ligeiro corre:
Com elle morre
A perfeição.
Essa,
que o Egypto
Sábia modera,
De Marco impera
No coração;
Mas
já Octavio
Não sente a força
Do seu grilhão.
Ah! vem, ó bella,
E o teu querido
Ao Deos Cupido
Louvores dar;
Pois faz que todos
Com igual sorte
Do tempo, e morte
Possão
zombar:
Tu por formosa,
E elle, Marilia,
Por te cantar.
Mas ai! Marilia,
Que de hum amante,
Por mais que cante,
Gloria
não vem!
Amor se pinta
Menino, e cego:
No doce emprêgo
Do
charo bem
Não vê defeitos,
E augmenta, quantas
Bellezas tem.
Nenhum dos Vates,
Em teu conceito,
Nutrio no peito
Nescia
paixão?
Todas aquellas,
Que vês cantadas,
Forão dotadas
De
perfeição?
Forão queridas;
Porém formosas
Talvez que não.
Porém que importa
Não valha nada
Seres cantada
Do teu Dirceo?
Tu tens, Marilia,
Cantor celeste;
O meu Glauceste
A voz
ergueo;
Irá teu nome
Aos fins da Terra,
E ao mesmo Ceo.
Quando nas azas
Do leve vento
Ao Firmamento
Teu nome for:
Mostrando Jove
Graça extremosa,
Mudando a Esposa
De inveja a
côr;
De todos ha-de,
Voltando o rosto,
Sorrir-se Amor.
Ah! não se manche
Teu brando peito
Do vil defeito
Da ingratidão:
Os versos beija,
Gentil Pastora,
A penna adora,
Respeita a mão,
A mão discreta,
Que te segura
A duração.
LYRA XXXII.
N'uma noite socegado
Velhos papeis revolvia,
E por ver de que
tratavão
Hum por hum a todos lia.
Erão copias emendadas
De quantos versos melhores
Eu compuz na
tenra idade
A meus diversos amores.
Aqui leio justas queixas
Contra a ventura formadas,
Leio excessos
mal acceitos,
Doces promessas quebradas.
Vendo sem razões tamanhas
Eu exclamo transportado:
_Que
finezas tão mal feitas!
Que tempo tão mal passado_!
Junto pois n'hum grande monte
Os soltos papeis, e logo,
Porque
reliquias não fiquem,
Os intento pôr no fogo.
Então vejo que o Deos cego
Com semblante carregado
Assim me
falla, e crimina
O meu intento acertado.
_Queres queimar esses versos?
Dize, Pastor attrevido,
Essas Lyras
não te forão
Inspiradas por Cupido_?
_Achas que de taes amores
Não deve existir memoria?
Sepultando
esses triunfos,
Não roubas a minha gloria_?
Disse Amor; e mal se calla,
Nos seus hombros a mão pondo,
Com
hum semblante sereno
Assim á queixa respondo:
_Depois, Amor, de me
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