fallámos,
Alli, ó minha bella,
Te vi a vez primeira_.
Verteráõ os meus olhos duas fontes,
Nascidas de alegria:
Farão teus
olhos ternos outro tanto:
Então darei, Marilia, frios beijos,
Na mão formosa, e pia,
Que me limpar o pranto.
Assim irá, Marilia, docemente
Meu corpo supportando
Do tempo
deshumano a dura guerra.
Contente morrerei, por ser Marilia
Quem sentida chorando,
Meus baços olhos cerra.
LYRA XIX.
Em quanto pasta alegre o manso gado,
Minha bella Marilia, nos
sentemos
Á sombra deste cedro levantado.
Hum pouco meditemos
Na regular belleza,
Que em tudo quanto
vive, nos descobre
A sabia Natureza.
Attende, como aquella vaca preta
O novilhino seu dos mais separa,
E o lambe, em quanto chupa a liza teta.
Attende mais, ó chara,
Como a ruiva cadella
Supporta que lhe
morda o filho o corpo;
E salte em cima della.
Repara, como cheia de ternura
Entre as azas ao filho essa ave aquenta:
Como aquella esgravata a terra dura,
E os seus assim sustenta;
Como se encoleriza,
E salta sem receio a
todo o vulto,
Que junto delles piza.
Que gosto não terá a esposa amante
Quando der ao filhinho o peito
brando,
E reflectir então no seu semblante!
Quando, Marilia, quando
Disser comigo: _he esta
De teu querido
pai a mesma barba,
A mesma bocca, e testa_.
Que gosto não terá a mãi, que toca,
Quando o tem nos seus braços,
c'o dedinho
Nas faces graciosas, e na bocca
Do innocente filhinho!
Quando, Marilia bella,
O tenro infante já
com risos mudos
Começa a conhecê-la!
Que prazer não terão os pais ao verem
Com as mãis hum dos filhos
abraçados;
Jogar outros a luta, outros correrem
Nos cordeiros montados!
Que estado de ventura!
Que até naquillo,
que de pezo serve,
Inspira Amor doçura.
LYRA XX.
Em huma frondosa
Roseira se abria
Hum negro botão.
Marilia
adorada
O pê lhe torcia
Com a branca mão.
Nas folhas viçosas
Á abelha inraivada
O corpo escondêo.
Tocou-lhe Marilia,
Na mão descuidada
A fera mordêo.
A penas lhe morde,
Marilia gritando,
C'o dedo fugio.
Amor, que
nos bosques
Estava brincando,
Aos ais acudio.
Mal vio a rotura,
E o sangue espargido,
Que a Deoza mostrou;
Rizonho beijando
O dedo offendido,
Assim lhe fallou.
_Se tu for tão pouco
O pranto desatas,
Ah! dá-me attençaõ;
E
como daquelle,
Que feres, e matas,
Naõ tens compaixaõ_?
LYRA XXI.
Não sei, Marilia, que tenho,
Depois que vi o teu rosto;
Pois quanto
não he Marilia,
Já não posso ver com gosto.
Noutra idade me alegrava,
Até quando conversava
Com o mais rude
vaqueiro:
Hoje, ó bella, me aborrece
Inda o trato lizongeiro
Do
mais discreto pastor.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos
de amor?
Sáio da minha cabana
Sem reparar no que faço;
Busco o sitio aonde
moras,
Suspendo defronte o passo.
Fito os olhos na janella,
Aonde, Marilia bella,
Tu chegas ao fim do
dia;
Se alguem passa, e te saúda,
Bem que seja cortezia,
Se
accende na face a côr.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos
de Amor?
Se estou, Marilia, comtigo,
Não tenho hum leve cuidado;
Nem me
lembra, se são horas
De levar á fonte o gado.
Se vivo de ti distante,
Ao minuto, ao breve instante,
Finge hum dia
o meu desgosto:
Já mais, Pastora, te vejo
Que em teu semblante
composto
Não veja graça maior.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de Amor?
Aonde já com o juizo;
Marilia, tão perturbado,
Que no mesmo
aberto sulco
Metto de novo o arado.
Aqui no centêo pégo,
Noutra
parte em vão o cégo:
Se alguem comigo conversa,
Ou não respondo,
ou respondo
Noutra coiza tão diversa,
Que nexo tão tem menor.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de Amor?
Se geme o bufo agoureiro
Só Marilia me desvella:
Enche-se o peito
de magoa,
E não sei a causa della.
Mal durmo, Marilia, sonho,
Que féro leão medonho
Te devora nos
meus braços:
Gella-se o sangue nas veias.
E sólto do somno os
laços
Á força da immensa dor.
Ah! que os effeitos que sinto
Só
são effeitos de Amor.
LYRA XXII.
Muito embora, Marilia, muito embora
Outra belleza, que não seja a
tua,
Com a vermelha roda, a seis puxada,
Faça tremer a rua.
As paredes da salla aonde habita
Adorne a seda, e o tremó dourado;
Pendão largas cortinas, penda o lustre
Do této apainelado.
Tu não habitarás Palacios grandes,
Nem andarás nos coches voadores;
Porém terás hum Vate, que te preze,
Que cance os teus louvores.
O tempo não respeita a formosura;
E da palida morte a mão tyranna
Arraza os edificios dos Augustos,
E arraza a vil choupana.
Que bellezas, Marilia, florecerão
De quem nem se quer temos a
memoria?
Só podem conservar hum nome eterno
Os versos, ou a historia.
Se não houvesse Tasso, nem Petrarcha,
Por mais que qualquer dellas
fosse linda,
Já não sabia o mundo, se existirão
Nem Laura, nem Clorinda.
He melhor, minha bella, ser lembrada
Por quantos hão de vir sabios
humanos,
Que ter urcos, ter coches, e thesouros,
Que morrem com os annos.
LYRA XXIII.
N'um sitio ameno
Cheio de rosas,
De brancos lyrios,
Murtas
viçosas;
Dos seus amores
Na companhia
Dirceo passava
Alegre o dia.
Em tom de graça,
Ao terno amante
Manda Marilia
Que toque, e
cante.
Péga na lyra,
Sem que a tempere,
A voz levanta,
E as cordas fere.
C'os doces pontos
A mão atina,
E a voz iguala
A voz divina.
Ella, que teve
De rir-se a idéa,
Nem move os olhos
De assombro
chêa.
Então Cupido
Apparecendo,
Á bella falla
Assim dizendo:
_Do teu amado
A lyra fias,
Só porque delle
Zombando rias_?
_Quando n'um peito
Assento faço,
Do peito
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