grata posse de seu bem difere,
A si,
Marilia, a si proprio rouba,
E a si proprio fere.
Ornemos nossas testas com as flores,
E façamos de feno hum brando
leito,
Prendamo-nos, Marilia, em laço estreito,
Gozemos do prazer
de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possão deter, o tempo corre;
E
para nós o tempo, que se passa,
Tambem, Marilia, morre.
Com os annos, Marilia, o gôsto falta,
E se entorpece o corpo já
cançado;
Triste o velho cordeiro está deitado,
E o leve filho sempre
alegre salta.
A mesma formosura
He dote, que só goza a mocidade:
Rugão-se as
faces, o cabello alveja,
Mal chega a longa idade.
Que havemos d'esperar, Marilia bella?
Que vão passando os
florecentes dias?
As glorias, que vem tarde, já vem frias;
E póde em
fim mudar-se a nossa estrella.
Ah! não, minha Marilia,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O
estrago de roubar ao corpo as forças,
E ao semblante a graça.
LYRA XV.
A minha bella Marilia
Tem de seu hum bom thesouro,
Não he, doce
Alceo, formado
Do buscado
Metal louro.
He feito de huns alvos dentes,
He feito
de huns olhos bellos,
De humas faces graciosas,
De crespos, finos
cabellos;
E de outras graças maiores,
Que a natureza lhe dêo:
Bens, que valem sobre a terra,
E que tem valor no Ceo.
Eu posso romper os montes,
Dar ás correntes desvios,
Pôr cercados
espaçosos
Nos caudosos
Turvos rios.
Posso emendar a ventura
Ganhando
astuto a riqueza;
Mas, ah! charo Alceo, quem póde
Ganhar huma só
belleza
Das bellezas, que Marilia
No seu thesouro metêo?
Bens,
que valem sobre a terra,
E que tem valor no Ceo.
Da sorte, que vive o rico
Entre o fausto alegremente,
Vive o
guardador de gado
Apoucado,
Mas contente.
Beije pois torpe avarento
As arcas de
barras chêas:
Eu não beijo os vís thesouros;
Beijo as douradas
cadêas,
Beijo as settas, beijo as armas
Com que o cego Amor
vencêo:
Bens, que valem sobre a terra,
E que tem valor no Ceo.
Ama Apollo o fero Marte,
Ama, Alceo, o mesmo Jove:
Não he, não,
a vã riqueza,
Sim belleza,
Quem os move.
Posto ao lado de Marilia
Mais que
mortal me contemplo:
Deixo os bens, que aos homens cegão,
Sigo
dos Deoses o exemplo:
Amo virtudes, e dotes;
Amo em fim,
prezado Alceo,
Bens, que valem sobre a terra,
E que tem valor no
Ceo.
LYRA XVI.
Eu, Glauceste, não duvido
Ser a tua Eulina amada
Pastora formosa,
Pastora engraçada.
Vejo a sua côr de rosa,
Vejo
o seu olhar divino,
Vejo os seus purpùreos beiços,
Vejo o peito
crystallino;
Nem ha cousa, que assemelhe
Ao crespo cabello louro.
Ah! que a tua Eulina vale,
Vale hum immenso thesouro!
Ella vence muito, e muito
Á laranjeira copada,
Estando de flores,
E frutos ornada.
He, Glauceste, os teus Amores;
E nem por outra Pastora,
Que menos dotes tivera,
Ou que menos
bella fôra,
O meu Glauceste cançára
As divinas cordas de ouro.
Ah! que a tua Eulina vale,
Val hum immenso thesouro!
Sim, Eulina he huma Deosa;
Mas anîma a formosura
De huma alma de féra,
Ou inda mais dura.
Ah! quando Alceo
pondéra
Que o seu Glauceste suspira,
Perde, perde o soffrimento,
E qual enfermo delira!
Tenha embora brancas faces,
Meigos olhos,
fios de ouro,
A tua Eulina não vale,
Não vale immenso thesouro.
O fuzil, que imita a cobra,
Tambem aos olhos he bello;
Mas quando alumêa,
Tu tremes de velo.
Que importa se mostre
chêa
De mil bellezas a ingrata?
Não se julga formosura
A
formosura, que mata.
Evita, Glauceste, evita
O teu estrago, e
desdouro;
A tua Eulina não vale,
Não vale immenso thesouro.
A minha Marilia quanto
Á natureza não deve!
Tem divino rosto,
E tem mãos de neve.
Se mostro na face o gôsto,
Ri-se Marilia contente:
Se canto, canta comigo;
E apenas triste
me sente,
Limpa os olhos com as tranças
Do fino cabello louro.
A
minha Marilia vale,
Vale hum immenso thesouro.
LYRA XVII.
Minha Marilia,
Tu enfadada?
Que mão ousada
Perturbar póde
A
paz sagrada
Do peito teu?
Porém que muito
Que irado esteja
O teu semblante
Tambem
troveja
O Claro Ceo.
Eu sei, Marilia,
Que outra Pastora
A toda a hora,
Em toda a parte,
Céga namora
Ao teu Pastor.
Ha sempre fumo
Aonde ha fogo;
Assim, Marilia,
Ha zelos, logo
Que existe amor.
Olha, Marilia,
Na fonte pura
A tua alvura,
A tua bocca,
E a
compostura
Das mais feições.
Quem tem teu rosto,
Ah! não receia,
Que terno amante
Solte a cadeia,
Quebre os grilhões.
Não anda Laura
Nestas campinas
Sem as boninas
No seu cabello,
Sem pelles finas
No seu jubão.
Porém que importa?
O rico aceio
Não dá, Marilia,
Ao rosto feio
A perfeição.
LYRA XVIII.
Não ves aquelle velho respeitavel,
Que á moleta encostado,
Apenas mal se move, e mal se arrasta?
Oh
quanto estrago não lhe fez o tempo?
O tempo arrebatado,
Que o mesmo bronze gasta.
Enrugárão-se as faces, e perdêrão
Seus olhos a viveza;
Voltou-se o seu cabello em branca neve:
Já lhe
treme a cabeça, a mão, o queixo;
Nem tem huma belleza
Das bellezas que teve.
Assim tambem serei, minha Marilia
Daqui a poucos annos;
Que o
impio tempo para todos corre.
Os dentes cahiráõ, e os meus cabellos.
Ah! sentirei os damnos,
Que evita só quem morre.
Mas sempre passarei huma velhice
Muito menos penoza.
Não trarei
a moleta carregada:
Descançarei o já vergado corpo
Na tua mão piedoza,
Na tua mão nevada.
As frias tardes em que negra nuvem
Os chuveiros não lance,
Irei
comtigo ao prado florescente:
Aqui me buscarás hum sitio ameno,
Onde os membros descance,
E ao brando Sol me aquente.
Apenas me sentar, então movendo
Os olhos por aquella
Vistoza
parte, que ficar fronteira;
Apontando direi: _Alli
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