plena a solidão.
N'essa tremenda lucta o pensamento humano
Mostra pujantemente, ao dominar o oceano,
Um cerebro o que vale! o
que é um coração!
A bordo do _Funchal_,
1891
+ROZA EM BOTÃO+
0. E. S.
Que lindo botão de rosa,
Oh! como é bella esta flôr,
E tens inda mais valor
Por seres offerta
amoroza.
Gentil, risonha e mimoza
Elvira imitas na côr;
Ella é pura como a flôr
E tu como ella és
formoza.
Mas, apesar da parecença,
Sempre existe uma differença
Em que te distingues d'ella;
É que a roza tem espinhos,
Elvira ternos carinhos,
Que a tornam inda mais bella.
Angra do Heroismo,
1892
+TEMPESTADE E BONANÇA+
Soprava rijamente o vento Norte
E caía um terrivel aguaceiro;
Enorme escuridão, lembrava a morte...
Mas não descria o rude marinheiro!
Rugia o mar e ao soffrer o corte
Da prôa revoltava-se altaneiro,
Varria o tombadilho. Sempre forte
Ia o vapor correndo audaz, ligeiro.
Echoava o trovão. Mas de repente
Ao vendaval succede-se a bonança,
O nevoeiro esvae-se lentamente,
A chuva pára, o oceano amansa;
O sol mostra seu disco reluzente,
Nos rostos pairam os sorrires
d'esp'rança.
Lisboa 1891.
+AS ESTRELLAS+
Da minha alegre janella
Vejo uma nesga do ceo;
É noite serena, bella,
Espaireço o olhar
meu,
A contemplar as estrellas
Que scintillam diamantinas,
Recorda-me sempre ao vel-as
Tuas
graças peregrinas.
Que queres, pois se te não vejo,
Como outr'ora, na varanda
Trocando phrazes amantes?
Por isso mando-te um beijo
Na briza suave, branda,
Fitando os astros brilhantes.
Lisboa, 1891
+CEMITERIO+
No cemiterio alvejam mausoléos
De pedras rendilhadas e custosas;
Elegantes, guindados corucheos;
Epithaphios, legendas caprichosas.
Ali jazem os ricos. Nas pompozas
Inscripções se vae ler os nomes seus.
Em outras campas só se vêem
rozas,
Goivos, martyrios, contemplando os ceos.
A jazida dos pobres. Trabalhando
Morreram e ali estão alimentando
A terra onde essas flôres se vão
nutrir.
Em quanto os outros distraidos, futeis,
Viveram ociosos, sempre inuteis,
E nem sequer d'estrume vão servir!
Lisboa, 1891
+A PROSTITUTA+
A rua é miseravel, suja, estreita,
Como um terrivel antro criminoso,
E d'uma porta a prostituta espreita
O transeunte lubrico, cioso.
É repellente, quanto mais enfeita
O cabello postiço e unctuoso.
Teve illusões, quem sabe, hoje desfeita,
A graça d'esse rosto alvar oleoso,
Veio cahir n'aquelle lodaçal
Onde se espoja torpe, embriagada,
Até ir decompor-se no hospital
Se o amante que tem a desgraçada
Não lhe der caridoso, bestial,
O descanço pr'a sempre á navalhada.
Lisboa, 1891
+AMOROSO+
Eu amo-te, amo-te tanto
Talvez não saibas o quanto
Meu coração fazes pulsar;
Talvez não
saibas, ó linda,
Como a tua graça infinda
Me faz viver para amar.
Amo-te a face formoza,
Amo-te a boca de roza,
Amo-te o negro cabello,
Amo-te o gesto
mavioso,
O sorrir casto e bondoso,
O olhar gracioso e bello.
Adoro-te a singelleza
Que é engaste da belleza,
Amo-te o lindo rubor
Com que te
purpurizaste,
Quando tremula escutaste
As juras do nosso amôr.
Encontrei-te, o meu coração
Satisfez a aspiração
E tenho um novo viver.
Acho mais bellos os
prados,
Os tons do sol mais dourados,
Em tudo o amor julgo vêr.
Oh! se o teu amôr assim
Fôr tão ardente por mim,
Não haverá nada igual
Á pura felicidade
Dos dias da mocidade,
Ao meu risonho ideal.
Angra do Heroismo,
1890
+A CARIDADE+
I
Caridade, quem és! Quem te inventou?
Para que serves, quaes os meios teus,
A tua agencia, assim, quem t'a
arranjou,
Para que vens fallar-nos sempre em Deus!
Em Deus! Quando o universo elle creou
Legou a alguem riquezas ou tropheos!
Quaes foram os brazões, que
bens doou?
Venderia indulgencias lá dos ceos?
Mentes, que nunca fez separações,
Nem fez a fome nem as privações,
O mundo concedeu á húmanidade.
Mas como é que ha então ricos e pobres?
Como é que existem os plebeus e os nobres?
Que significas pois, ó
caridade?
II
Rebanhos a pastarem nas campinas,
As aves a cruzarem-se no ar,
O serpear das aguas argentinas,
Os
fructos a dourarem no pomar;
A pureza das auras matutinas,
Os dias que o bom sol nos vem dourar,
As flores assetinadas,
purpurinas,
As poeticas noites de luar;
Os campos no sorrir da primavera,
A selva, as fragas onde vive a fera,
O universo em toda a
immensidade,
Nunca foi concedido por herança.
Era pr'a humanidade a esperança
De um dia conquistar a felicidade.
III
Os maus, porém, poderam com presteza
Empolgar o que a todos pertencia.
O sangue era direito a
uns--Nobreza--
E aos d'hoje o dinheiro--A burguezia--
E foi assim que os bens da natureza,
Que o creador a todos concedia,
Se viram disputados com fereza,
Se viram empolgar com ousadia.
E appareceu a fome. Então aos pobres
Os ricos atirando com uns cobres
Inventaram um Deus de caridade.
Mas haverem luctar, embora custe,
Depor de todo a Caridade-embuste.
Hastear a bandeira da Egualdade!
Lisboa, 1892
+AS REVOLUÇÕES+
Excerpto
. . . . . . . . . . . . . . . Um de nós que cahir
Das entranhas da terra ha-de fazer surgir
Milhares de vingadores
promptos a combater.
Pela causa da patria a quem custa morrer?
O
sangue vae regar a arvore bemdita
Da santa liberdade! O fogo que
crepita
Aldeias a queimar, cidades e castellos,
A forca gemebunda,
os gumes dos cutellos,
As algemas de ferro, as fortes
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