Lyra da Mocidade | Page 2

Faustino Fonseca Júnior
carvões,
A graça do teu semblante.
Amo-te porque és bonita
Com esse preto cabello,
Em anneis fulvos, sedosos,
Cobrindo os
hombros formosos
Fulgurante, crespo, bello.
Amo-te emfim porque és meiga
Qual pomba que arrulha mansa,
Porque és boa e carinhosa,
E esta
alma angustiosa
Precisa d'amor, creança.
Precisa d'amor! Não sabes
Que é luctar o viver?
O homem soffre amarguras
Por isso busca
ternuras
No seio d'uma mulher.
Angra do Heroismo
1892
+A SAUDADE+
Era de tarde ao pôr do sol, a brisa
Vinha fagueira a remecher as flôres,
Iam velozes sobre a fronte liza

Do Tejo d'ouro de ideaes amores,

Ligeiros barcos, avesinhas mansas.
Desferidos em harpas geniaes,
Por virgens d'olhar meigo e loiras
tranças,
Vinham threnos sublimes, ideaes.
O mundo todo pleno d'harmonia.
Eu, só, fitava a solidão do mar
Dominado d'ideal melancolia.
E que buscava então na immensidade?
É que me vinha fundo cruciar
O acerado espinho da saudade!
Algés, 1890
+ESPERANÇA+
Fitei o teu retrato tristemente
Cansado do trabalho, sem alento,
O espirito meu n'esse momento

Soffria acerbamente, amargamente.
Comtemplei-o e dei-lhe um beijo ardente
Para desafogar o sofrimento,
Pareceu-me que sorrias, pensamento

Que me passou no cerebro latente.
E fui abandonado pl'a tristeza,
Recobrei para a lucta mais vigor
Trabalharei tenaz e com firmeza.
Vou-me tornar estoico contra a dor.
Eu vi n'esse sorrir de tal belleza
A firme espr'ança d'um eterno amor!
Lisboa, 1891
+Á MEMORIA

DE
ALFREDO LOPES+
Viver! O que é viver! Arrastar a existencia
No vasto labyrintho onde só reina a dor;
N'um pouco de materia é
guia a consciencia
Quasi a perder-se a força, a faltar o valor.
Morrer! Passar além! Da lucta repousar,
Deixar por uma vez do mundo as agonias;
Descer á terra mãe, os
lyrios fecundar,
Servir de refeição aos vermes nas orgias.
Mas coisa alguma nasce e coisa alguma morre.
Transforma-se a materia em mil combinações:
Seiva, no vegetal as
hastes lhe percorre;
Sangue, faz palpitar os nossos corações.
Tu então não morreste; apenas d'esta lida
Immensa, em que mostraste o fulgido talento,
Descanças. No teu
corpo ha ainda essa vida
Que palpita da terra ao proprio firmamento.
A vida da materia. Então bellas, formozas,
Por cima d'essa campa onde agora repouzas,
Hão-de brotar de ti as
lindas flores viçosas
Na vaga poesia harmonica das cousas.
Rosas a recordar teu risonho futuro,
A tua juventude os cravos em botão,
O martyrio o finar na dôr tão
prematuro,
O cypreste a lembrar teu grande coração!
Angra do Heroismo,
9-9-88
+A REVOLUÇÃO+

Campeia a tyrania, esmaga, oprime,
E da vontade o despota faz lei,
Do povo a justa voz cala, reprime,

Ou dictador, ou presidente, ou rei.
Calca aos pés os direitos mais sagrados
E trucida os que querem reagir,
Apoiam-n'o as bayonetas dos
soldados
Não teme pois da plebe o rebramir.
Mas de repente os odios comprimidos
Estalam sanguinosos, em rugidos,
Irrompem como a lava do vulcão,
Fazem voar o throno em estilhaços,
A liberdade impõe com rudes braços,
É a tua grande
obra--Revolução--
Lisboa 1891
+ASPIRAÇÕES+
Oh! Quem me dera beijar-te
A tua face rosada,
Esses labios de carmim.
Oh! Quem podesse
abraçar-te
E gozar, ó gentil fada,
Caricias ternas, sem fim.
Quem podesse contra o seio
Estreitar-te e essa boquinha
Sorvel-a n'um beijo quente,
E sentir-te
em devaneio
Palpitar, gosar, louquinha,
Caricias de amor ardente.
Desprezando os preconceitos
Sellemos com esse amor
Potente da nossa edade,
Estreitando os
nossos peitos,
Em plena vida d'amor,
Mil juras de felicidade!

Que dizes, linda, pois córas?
Antegosas as delicias?
Suspiras rubra de pejo?
Ou na tua mente
infloras
Esses milhões de caricias
O amoroso d'um beijo?
Pois bem, gozemos, meu anjo,
E sejamos sempre queridos
Um do outro, minha flôr,
E das delicias
o archanjo
Venha achar nos sempre unidos
Gozando do nosso
amor!
Angra do Heroismo,
1892
+OS CREPES DE CAMÕES+
Portugal jáz por terra! Esta patria querida
Dos fortes, dos heroes, dos rudes marinheiros,
Esta nação valente,
homerica, aguerrida
Que soube rechaçar outr'ora os estrangeiros,
Jáz por terra abatida! A bandeira de gloria
Que fulgurou ovante ao sol de cem combates
E sempre ha-de brilhar,
aqui, em toda a historia
Que foi desde o Brazil ás regiões do Gates.
Hoje roja-se no pó! De tudo o que tivemos
De brio, heroicidade, altivez e coragem
Nada nos resta já! Parece que
viemos
Perdendo tudo, tudo, em funebre viagem!
A propria honra se foi! Um insulto cruel
Fez agitar um dia o lodaçal enorme,
Houve gritos de raiva, amarguras
de fel
Mas já tudo passou! E o povo dorme... dorme!
O derradeiro arranco! Ao pobre muribundo

Não resta d'esperança um lampejo fugaz,
Hoje existe sómente a
mostrar-nos ao mundo
Um sepulcro marmoreo, um funebre _aqui
jaz_.
Synthetizou outr'ora um esperançoso ideal
Em honra do cantor das nossas tradicções,
Hoje existe de pé por
sobre o tremedal
Um symbolo de morte:
O lucto de Camões!
Lisboa, 11-1-91
+A BORDO+
Vamos no alto mar, a noite lentamente
Encobre pouco a pouco a abobada celeste;
Ha pallidos clarões das
bandas do occidente
E sopra uma rajada aguda de Nordeste.
Corre a todo o vapor, com impeto potente
O navio rasgando a superficie agreste
Do gigantesco oceano. As
ondas febrilmente
Tem o tom verde-negro e triste do cypreste.
Só vemos ceo e mar, o horizonte enorme,
Cercados pelo gigante immenso que não dorme
No monotono circo é
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