Luiz de Camões marinheiro | Page 8

Vicente de Almeida de Eça
diversas as circumstancias
meteorologicas com que se manifestam, diversos, se é possivel, os
horrores que inspiram.
E, comtudo, Camões apanhou essas differenças, conheceu essas
circumstancias especiaes. Duas são as principaes descripções de
tempestades maritimas que elle nos offerece no seu poema. A primeira
é de um temporal no Cabo da Boa Esperança, e constitue o episodio do
Adamastor, que não transcreveremos por o julgarmos conhecido de
todos. A tempestade começa por uma nuvem _temerosa e carregada_
que os ares escurece;
(Lus. V, 37.)
e effectivamente uma das circumstancias peculiares das tormentas do
Cabo é escurecer-se completamente a athmosphera. É tambem notavel
a altura que attingem as ondas n'essas occasiões, pois nenhum
navegador as viu em parte alguma maiores ou iguaes. Camões notou
esta circumstancia na elegia III, onde, descrevendo a sua viagem para a
India, diz que
chegando ao Cabo da Esperança
Eis a noute com nuvens se escurece,

Do ar _subitamente_ foge o dia
E todo o largo Oceano se
embravece;
Em _serras_ todo o mar se convertia.
Voltando aos _Lusiadas_ observaremos que todo o horror do Cabo da
Boa Esperança está n'aquella prophecia do Gigante:
Quantas naus esta viagem
Fizerem de atrevidas,
Inimiga terão esta
paragem
Com ventos e tormentas desmedidas.
(Lus. V, 43.)
E é assim. Não ha paragem alguma do globo onde as tempestades
sejam mais frequentes, podendo-se dizer que no Cabo é estado normal
o mau tempo, sendo excepção a bonança. A tempestade
c'um medonho choro
Subito d'ante os olhos se apartou,
Desfez-se a

nuvem negra e c'um sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
(Lus. V, 60.)
Aqui se observa como um pesado aguaceiro vem abater as ondas
encapelladas, ouvindo-se comtudo por muito tempo o surdo rumor que
ellas produzem como féras, mau grado seu, subjugadas pelo chicote do
domador.
Mais desenvolvida é a descripção da tempestade no Indico. N'esse mar
é conhecida a parte que fica entre a cabeça de Madagascar e as
Seychelles pelos frequentes cyclones e golpes de vento que a açoutam e
tornam perigosa a navegação. E, pois, ahi
Já nos mares da India,
(Lus. VI, 6.)
que o Poeta colloca o temporal, o qual começa, como é sabido, por uma
pequena nuvem que desponta no horisonte, e dentro em pouco, tocada
pelo vento com vertiginosa velocidade, occupa toda a athmosphera. A
impetuosidade e o repente do assalto não dão tempo a manobras;
muitas vezes é necessario _picar os mastros_, se o cyclone se não
encarrega d'isso. O mar cava-se em ondas desencontradas e altissimas,
e os relampagos e coriscos vem augmentar o terror. Eis estas scenas
successivas da terrivel tragedia pintadas pelo mestre:
O vento cresce
D'aquella nuvem negra que apparece.
Dá a grande e
subita procella.
Não esperam os ventos indignados
Que
amainassem (a véla grande), mas juntos dando n'ella, Em pedaços a
fazem.
No romper da véla a nau pendente
Toma grão somma d'agua
pelo bordo.
Os balanços, que os mares temerosos
Deram á nau,
n'um bordo os derribaram (os marinheiros.) Nos altissimos mares, que
cresceram,
A pequena grandura d'um batel
Mostra a possante nau.

A nau grande
Quebrado leva o mastro pelo meio,
Quasi toda
alagada.
Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas,
Agora a ver
parece que desciam
As intimas entranhas do profundo.

(Lus. VI, 70 a 76.)
Os ventos que lutavam,
Como touros indomitos bramando;
Mais e
mais a tormenta accrescentavam,
Pela miuda enxarcia assoviando;

Relampagos medonhos não cessavam,
Feros trovões.
(Lus. VI, 84.)
Mas não são apenas os traços geraes da descripção que reproduzem a
exacta verdade. Até nas mais pequenas minudencias se mostra rigorosa
exactidão. Os ventos são
Noto, Austro, Boreas, Aquilo,
(Lus. VI, 76.)
recordando assim a direcção successivamente differente do vento,
percorrendo todos os quadrantes, como se nota nas tempestades de
rotação. Os golphinhos ou toninhas, esses graciosos companheiros do
navegador durante a bonança, desapparecem d'aquelle theatro de
desolação, e são substituidos pelos maçaricos, as _almas do mestre_,
como lhes chama a poetica imaginação dos marinheiros, que vem
augmentar com os seus pios lamentosos a tristeza do espectaculo:
As Halcyoneas aves o triste canto
levantaram,
Os delfins namorados entretanto
Lá nas covas
maritimas entraram,
Fugindo á tempestade e ventos duros,
Que nem
no fundo os deixa estar seguros.
(Lus. VI, 77.)
Isto é perfeito, isto é enexcedivel. E comtudo ha mais ainda; ha a
descripção de outro phenomeno do mar, que, posta em prosa, occuparia
o logar de honra no melhor tratado de meteorologia. É a das trombas
marinhas. N'este phenomeno em que _as nuvens do mar sorvem as
aguas do Oceano_, começa a levantar-se

No ar um vaporsinho e subtil fumo,
E do vento trazido, rodear-se;

D'aqui levado um cano ao polo summo
Se via, tão delgado que
enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia;
Da materia das nuvens
parecia.
Hia-se pouco a pouco accrescentando
E mais que um largo
mastro se engrossava;
Aqui se
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