estreita, aqui se alarga, quando
Os
golpes grandes de agua em si chupava;
Estava-se co'as ondas
ondeando;
Em cima d'elle uma nuvem se espessava,
Fazendo-se
maior, mais carregada,
Co'o cargo grande d'agua em si tomada,
Qual roxa sanguesuga
se enche e a alarga grandemente,
Tal a grande columna, enchendo,
augmenta,
A si e a nuvem negra que sustenta.
Mas, depois que de
todo se fartou,
O pé que tem no mar a si recolhe,
E pelo céu
chovendo em fim vôou;
Ás ondas torna as ondas que tomou,
Mas o
sabor do sal lhe tira e tolhe.
(Lus. V, 19 a 22.)
Quem escreveu isto? Foi Bravais? Foi Fitz-Roy? Não; foi Luiz de
Camões.
Camões tudo vê, de tudo falla. Ao fogo santelmo chama
lume vivo,
Que a maritima gente tem por santa,
Em tempo de
tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura,
(Lus. V, 18.)
Tambem falla nas correntes maritimas, cujas leis eram pouco
conhecidas dos primeiros navegadores, causando-lhes muitos
embaraços. Ainda hoje no canal de Moçambique se não póde contar
com a corrente, ou antes deve-se esperar que ella seja sempre contraria,
porque, _como no mar tudo são mudanças_, tão depressa correm as
aguas ao norte como no dia seguinte correm ao sul, e com tal
velocidade que vencem muitas vezes a força do vento regular. É, pois, a
corrente, como descreve o Poeta
tão possante
Que passar não deixava por diante;
Era maior a força
em demasia,
Segundo para traz nos obrigava,
Do mar, que contra
nós ali corria,
Que por nós a do vento que assoprava.
(Lus. V, 66, 67.)
Superior á meteorologia é a sciencia astronomica, de todas a mais
necessaria ao homem do mar. É ella que lhe ensina a conhecer onde
está, a que parte do vasto Oceano o levaram os ventos e correntes; é
ella que lhe mostra o caminho a seguir no meio da vasta solidão. Estava
esta sciencia bastante atrasada no tempo do Poeta, pois que reinava
ainda o errado systema de Ptolomeu. Mas este systema é por elle
descripto tão exactamente, que um abalisado professor contemporaneo,
ao ter de explical-o nas suas lições de cosmographia, nunca deixava de
citar a descripção de Camões. Ptolomeu, fazendo da terra centro
immovel de todo o universo, collocava a lua, o sol, os planetas e as
estrellas em outras tantas espheras concentricas a ella, e que, sobre um
eixo que passava pelos seus polos, giravam com velocidades diversas.
Todas estas espheras eram envolvidas por uma ultima, o Empyreo,
alem do qual estava o Ser Infinito, pois
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superficie tão
limada,
He Deus.
(Lus. X, 80.)
Começando, pois, a enumerar as superficies concentricas, cujo
conjuncto fórma o systema, diz Camões:
Este orbe, que primeiro vae cercando
Os outros mais pequenos, que
em si tem,
Que está com luz tão clara radiando,
Que a vista cega e a
mente vil tambem,
Empyreo se nomea.
(Lus. X, 81.)
Segue-se o primeiro mobil:
Debaixo d'este circulo,
que não anda,
Outro corre tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga:
he o mobile primeiro.
(Lus. X, 85.)
Vem depois os dois crystalinos e logo o céu das fixas, entre as quaes o
Poeta não se esqueceu de nomear as doze constellações zodiacaes bem
como as outras mais notaveis do firmamento:
Est'outro debaixo esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que
tambem n'elle tem curso ordenado
E nos seus axes correm
scintillantes;
se veste e faz ornado
Co'o largo cinto d'ouro, que estellantes
Animaes doze traz affigurados,
Aposentos de Phebo limitados.
Por outras partes a pintura
as estrellas fulgentes vão fazendo:
A
Carreta, a Cynosura,
Andromeda e seu pae, e o Drago,
Cassiopea,
Orionte, o Cysne,
A Lebre, os Cães, a Nau e a Lyra.
(Lus. X, 87, 88.)
Seguem-se por sua ordem os céus dos sete planetas então conhecidos,
contando n'esse numero o Sol:
Debaixo d'este grande firmamento
0. céo de Saturno; Jupiter faz logo o movimento, E Marte abaixo; O
claro olho do céo no quarto assento; E Venus; Mercurio; Com
tres rostos debaixo vae Diana.
. (Lus. X, 89.)
Em seguida á Lua vem finalmente os quatro elementos:
. _fogo_ e o _ar_, o vento e a neve Os quaes jazem mais a dentro, E
tem co'o _mar_ a _terra_ por assento.
0. (Lus. X, 90.)
Alem d'esta descripção, que é completa, ha por todo o poema allusões
ao firmamento e aos seus brilhantes luzeiros, espectaculo maravilhoso e
divino em que se enlevam os olhos do marinheiro durante as longas
horas da noite. Citaremos apenas a allusão ao Cruzeiro do Sul:
Lá no novo hemispherio nova estrella,
Não vista de outra gente, que
ignorante
Alguns tempos esteve incerta d'ella;
(Lus. V, 14.)
á qual se segue logo a allusão áquella parte do firmamento perto do
polo sul, onde as estrellas são mais raras, e que os astronomos
modernos chamam o _Sacco de carvão_:
a parte menos rutilante,
E por falta d'estrellas menos bella,
Do polo
fixo.
(Lus., ibidem.)
Para acabarmos com a astronomia de Camões diremos ainda que nem
sequer se esqueceu
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