já as proas se inclinavam
Para que amainassem;
A gente e
marinheiros
Tomam vélas; amaina-se a verga alta;
Da ancora o mar
ferido em cima salta;
(Lus. I, 48.)
e por fim
Pega no fundo a ancora pesada;
(Lus. II, 74.)
e aqui temos nós uma descripção completa da faina de fundear.
Surto o navio no porto, nem por isso cessam as suas manobras e fainas.
Uma das mais importantes consiste na limpeza do costado do navio,
que depois de uma viagem prolongada se acha coberto de incrustações,
molluscos e algas marinhas, principalmente nas obras vivas. Quando os
navios não eram forrados de cobre, como hoje são, esta operação era
indispensavel, posto que difficultosa, sendo muitas vezes necessario
_espalmal-os_, isto é, varal-os na praia, e até _viral-os de querena_.
Não se esqueceu o Poeta d'este serviço maritimo, descrevendo-o assim:
Aqui de limos, cascas e d'ostrinhos,
Nojosa criação das aguas fundas,
Alimpamos as naus, que dos caminhos
Longos do mar vem
sordidas e immundas.
(Lus. V, 79.)
É tambem um dos primeiros cuidados nos portos o renovar a aguada, e
por isso o commandante, logo que póde, determina
De vir por agua a terra;
(Lus. I, 84.)
E vão a seu prazer fazer aguada.
(Lus. I, 93.)
Para este serviço, bem como para todas as communicações com a terra
dentro dos portos, serve-se a gente do mar dos _bateis_ ou embarcações
miudas. Estas embarcações são quasi sempre movidas por meio de
remos, cuja manobra é diversa e variada conforme a maior ou menor
pressa e outras circumstancias. Assim, quando o commandante vae a
terra fazer uma visita official, a embarcação que o transporta vae de
_voga larga e descançada_, e
O remo _compassado_ fere frio
Agora o mar, depois o fresco rio,
(Lus. VII, 43.)
mas quando, por qualquer motivo, é preciso chegar rapidamente, não se
póde perder tempo com essas elegancias de manobra; _pica-se a voga_
e _aperta-se o remo_ (Lus. V, 32), duplicando a força de impulso e
fazendo saltar o escaler por cima das ondas.
Não esqueceram ao Poeta os combates navaes, em que o marinheiro se
torna soldado com duplicado valor, pois tem de combater ao mesmo
tempo os tormentos e o inimigo. Ora é um desembarque:
Apercebido vae
Em tres bateis.
(Lus. I, 85.)
Eis nos bateis o fogo se levanta
Na furiosa e dura artilharia;
A gente
A povoação
Esbombardea, accende e desbarata.
(Lus. I, 89, 90.)
Ora é um combate entre as embarcações miudas dos dois contendores:
Huns vão nas almadias carregadas;
Hum corta o mar a nado diligente;
Quem se afoga nas ondas encurvadas;
Quem bebe o mar, e o deita
juntamente.
Arrombam as miudas bombardadas
Os pangaios subtís.
(Lus. I, 91)
Ora é finalmente uma verdadeira batalha naval entre duas armadas,
quando
em sangue e resistencia
O mar todo com fogo e ferro ferve.
(Lus. X, 29.)
Primeiro combatem de longe com a artilharia; segue-se depois a
abordagem; e o combate decide-se por ultimo á arma branca. Assim o
vencedor
Das grandes naus,
co'a ferrea pella
Que sahe com trovão do cobre ardente,
Fará
pedaços leme, mastro, vela;
Depois, lançando arpéos ousadamente
Na capitaina inimiga, dentro nella
Saltando, a fará só com lança e
espada
De quatro centos despejada.
(Lus. X, 28.)
V
Mostrámos até aqui como Camões conhecia e comprehendia os homens
do mar, não lhe escapando nem uma das mais pequenas circumstancias,
que tornam o seu modo de viver e pensar tão caracterisco e differente
do dos homens da terra. Mostrámos tambem com que propriedade e
conhecimento elle introduziu no seu poema a descripção ou antes a
viva pintura das manobras e fainas que constituem o officio do
marinheiro. Vamos agora tentar mostrar como o Poeta comprehendeu o
theatro em que se passam as scenas tão variadas da vida do homem do
mar.
O mar, esse elemento imponente e magestoso, que enche de espanto o
homem que, pela primeira vez, o encara, parecendo á primeira vista tão
uniforme e tão igual, apresenta mil aspectos diversos, que são outras
tantas manifestações das forças creadoras que abriga em seu seio.
D'essas, a mais grandiosa, aquella que irresistivelmente se impõe e
subjuga a alma mais destemida, é a tempestade. Nem o volcão
vomitando fogo e lavas; nem a trovoada fusilando raios, atroando com
o ribombar do trovão e inundando com as catadupas de agua; nem o
terramoto abalando os edificios e fazendo ondular os montes; nem o
kahmsin do deserto enterrando as caravanas com as suas nuvens de
areia, nada póde rivalisar com uma tempestade maritima. Esta reune
tudo o que os outros cataclysmos tem de bello e horroroso, e é ainda
mais sublime e medonha. E são tão variados os espectaculos
offerecidos pela natureza, que ainda nas tempestades maritimas ha
differenças e especialidades que as distinguem entre si. Assim o
temporal dos Açores não se parece com a tempestade do Cabo, como o
cyclone do Oceano Indico differe do tufão do mar da China. São
diversas as causas que as originam,
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