Luiz de Camões marinheiro | Page 6

Vicente de Almeida de Eça
recebe elle a bordo as pessoas de terra, e
faz-lhes as honras da sua morada com a satisfação e liberalidade que o
caracterisa.
As festas de bordo fazem-se sempre _com a prata da casa_, e comtudo
é por extremo agradavel a vista que offerece um navio preparado para
celebrar qualquer data memoravel, ou para festejar a visita de um
personagem. Galhardetes e bandeiras com as côres symetricamente
dispostas adornam os mastros; outros forram os toldos e formam
sanefas pelas amuradas; lustres e troféus feitos com armas e
instrumentos nauticos transformam a tolda do navio em salão de baile
elegantemente adornado; os proprios pandeiros de cabos colhidos com
arte desenham no nitido convez florões e iniciaes, ou servem de divans
aos convidados. Os altos personagens são recebidos com marchas
tocadas pelas cornetas e tambores, com musicas executadas pelas
charangas, com revista da guarnição a postos de combate, com salvas
de artilheria. De noite illumina-se o mar com foguetes e tigellinhas. De
tudo isto fallou Camões.
Começa a embandeirar-se toda a armada,
E de toldos alegres se
adornou
Por receber com festas e alegria;

(Lus. I, 39.)
Sonorosas trombetas incitavam
Os animos alegres, resoando;
(Lus. II, 100.)
Outros
Instrumentos altinosos tangiam.
(Lus. II, 90.)
Vem arnezes, e peitos reluzentes,
Malhas finas e laminas seguras,

Escudos de pinturas differentes,
Pelouros e espingardas de aço puras,

Arcos e sagittiferas aljavas,
Partazanas agudas, chuças bravas;
As
bombas vem de fogo e juntamente
As panellas sulphuras tão
damnosas.
(Lus. I, 67, 68.)
Não faltam ali os raios de artificio
Os tremulos cometas imitando;

Fazem os bombardeiros seu officio,
O céu, a terra, e as ondas
atroando
(Lus. XI, 90.)
Ás salvas de bordo _agradecem_ as fortalezas de terra, salvando
tambem:
Respondem-lhe de terra juntamente
Co'o raio volteando com zonido;
(Lus. II, 91.)
e o canhão faz ouvir tanto e tão repetidas vezes a sua voz atroadora que
as festas e cumprimentos entre gente maritima são sempre
Á maneira de peleja.
(Lus., ibidem.)

Veja-se agora se n'este assumpto, aliás secundario, esqueceu ao Poeta
alguma circumstancia notavel!
IV
Se dos costumes dos homens do mar passamos aos trabalhos manuaes,
que constituem a parte pratica da sua arte, vamos encontrar nos
Lusiadas descripções e allusões a quasi todas as fainas e manobras tão
variadas, que são necessarias para fazer servir essa complicada machina
que se chama _navio_.
É imponente o espectaculo que offerece a tolda de um navio em faina
geral de fazer-se de véla. Por mais numerosa que seja a guarnição,
todos tem o seu posto detalhado e todos tem que fazer. Descreve
Camões essa faina da maneira seguinte:
Já nas naus os bons trabalhadores
Volvem o cabrestante, e repartidos

Pelo trabalho, uns puxam pela amarra,
Outros quebram co'o peito a
dura barra,
Outros pendem da verga e já desatam
A véla.
(Lus. IX, 10, 11.)
Está o ferro a _pique_, redobram os esforços dos marinheiros para o
suspender;
As ancoras tenaces vão levando,
(Lus. II, 18.)
e ao mesmo tempo
Da proa as vélas _sós_ ao vento dado,
(Lus., ibidem.)
obrigam o navio a _fazer cabeça_, e eil-o que vae em demanda da
barra.

Nos versos que acabamos de citar estão compendiadas todas as
manobras necessarias para um navio se fazer de véla. Não o faria
melhor o Bonnefoux ou o Bréart!
Na descripção da tempestade do canto VI, encontram-se todas as
manobras de que se lança mão debaixo de tempo. O mestre, que
presente o golpe de vento, _apita á gente_ e manda _carregar e ferrar
joanetes_,
Os traquetes das gaveas tomar manda,
(Lus. VI, 70)
Mal estão carregados os joanetes, já o vento está a contas com o navio.
_Carrega a véla grande!_
«Amaina a grande véla!»
(Lus. VI, 71.)
Não se carregou a maior a tempo, por isso ella se rasgou, e o navio,
dando a borda de sotavento, metteu dentro uns poucos de _mares_;
No romper da véla a nau pendente
Toma grão somma d'agua pelo
bordo.
(Lus. VI, 72.)
É preciso allivial-o, quanto seja possivel, dos pesos, e esgotar a agua.
Por isso o mestre ordena:
«Alija tudo ao mar,
Vão outros dar á bomba, não cessando!»
(Lus., ibidem.)
e não se esquece de reforçar a _gente do governo_, pondo ao leme
Tres marinheiros duros e forçosos,

(Lus. VI, 73.)
passando-lhe ainda para mais segurança
Talhas d'uma e d'outra parte.
(Lus., ibidem.)
Chega o navio a um porto pouco conhecido. Ao _investir_ a barra
depara-se com uma pedra á flor d'agua. É necessario _safar_ d'ella e
quanto antes. Aqui é inevitavel alguma confusão; não se sabe para que
lado será melhor _guinar_, e por isso os marinheiros
Maream vélas, ferve a gente irada
O leme a um bordo e a outro
atravessando;
O mestre da poppa brada.
(Lus. II, 24.)
Com similhante contratempo é melhor não commetter a barra e
_fundear em franquia_; por isso o commandante
Não entra pela barra, e surge fóra.
(Lus. I, 102.)
Mas depois de reconhecida a barra já se póde tentar a entrada; então
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