Luiz de Camões marinheiro | Page 5

Vicente de Almeida de Eça
da companhia, a contar uma
historia interessante, que entretem a todos e faz voar as horas.
Mas nem tudo são rosas durante a viagem; bem pelo contrario, os
espinhos são em numero muito superior. Aos dias de bom tempo
succedem as tempestades, que tornam o marinheiro
Confuso de temor, da vida incerto
(Lus. VI, 80.)
e durante os quaes elle muitas vezes
Chama aquelle remedio santo e forte
Que o impossivel póde;
(Lus., ibidem.)
chama
Aquelle que a salvar o mundo veio
(Lus. VI, 75.)
A navegação demorada e aborrecida tem exacerbado as saudades e
irritado os animos; já se não juntam os grupos pelas amuradas a contar
historias. Escaceia a aguada, a bolacha está avariada, azedou o vinho;
vae-se a meia ração e a menos; aproxima-se o terrivel espectro das
viagens prolongadas, o escorbuto. Assim vivem por muito tempo os
marinheiros _coitados e perdidos_,
De fomes, de tormentas quebrantados
E do esperar comprido tão
cansados,
Quanto a desesperar já compellidos;
Corrupto já e
damnado o mantimento
Damnoso e mau ao fraco corpo humano,
E
alem d'isso nenhum contentamento,
Que sequer da esperança fosse
engano.

(Lus. V, 70, 71.)
A tudo se resigna o marinheiro e vae
Soffrendo tempestades e ondas cruas,
Vencendo os torpes frios no
regaço
Do sul e regiões de abrigo nuas,
Engolindo o corrupto
mantimento
Temperado c'um arduo soffrimento
(Lus. VI, 97.)
E peor é ainda quando chega a terrivel doença, _crua e feia_, de que já
fallámos, com a qual
Tão disformemente ali lhe incharam
As gengivas na bôca, que crescia

A carne e juntamente apodrecia
c'hum fetido e bruto
Cheiro que o ar visinho inficionava
(Lus. V, 81, 82.)
Assim se passam as semanas e os mezes. Anceia o marinheiro por pôr
termo a uma navegação já aborrecida, por ter algum descanço n'aquelle
lidar diario. Suspeita-se que está proxima a terra; porfia-se em qual será
o primeiro que a veja; algum mais desejoso de ganhar as alviçaras sobe
á _celsa_ gavea, e percorrendo o mar com a vista, enxerga
Terra alta pela prôa
(Lus. VI, 92.)
e logo
«Terra, terra!» brada
(Lus. V, 24.)
Quem ha que fique indifferente a este brado? Os mais occupados
largam tudo por mão, os que dormem levantam-se estremunhados dos

catres, e
Salta no bordo alvoroçada a gente
Co'os olhos no horisonte,
(Lus., ibidem.)
devorando com elles as fórmas ainda mal distinctas da terra, e
começando
Á maneira de nuvens
A descobrir os montes.
(Lus. V, 25.)
Deu-se fundo. Acabaram os trabalhos e perigos, e quasi já esqueceram.
Tudo é curiosidade dos marinheiros em observar as pessoas que de
terra vem a bordo;
A gente se alvoroça; e de alegria
Não sabe mais que olhar a causa
d'ella.
(Lus. I, 45.)
Como não podem chegar-se e interrogar esses individuos, porque elles
estão conversando com o commandante, contentam-se com espreital-os,
e por isso
Está a gente maritima
Subida pela enxarcia.
(Lus. I, 62.)
Por fim a curiosidade vence o respeito, e elles vão-se chegando pouco a
pouco para ouvir as novidades;
A gente se ajunta a ouvir.
(Lus. VII, 29.)
Chega depois a noite; são horas de descançar e dormir pela primeira
vez com socego. Mas o marinheiro esquece-se d'isso para, ou a sós

comsigo, ou dando largas á sua loquacidade, fazer commentarios sobre
o que viu e ouviu;
Qualquer então comsigo cuida e nota
Na gente e na maneira
desusada.
(Lus. I, 57.)
Não escapou a Camões a qualidade ou defeito caracteristico do
marinheiro portuguez, principalmente do algarvio, sempre fallador e
gritador. Ainda hoje, com a disciplina moderna, é facil conseguir do
marinheiro que elle faça tudo, que soffra as maiores privações, que
arroste os maiores perigos; mas é difficilimo conseguir que elle esteja
calado. Ha sobretudo certas manobras em que é quasi impossivel obter
um silencio completo, e no tempo das descobertas, diz-nos o Poeta que
os marinheiros suspendiam
as ancoras
Com a nautica _grita costumada_,
(Lus. II, 18.)
e largavam
A véla, que _com grita_ se soltava.
(Lus. IX, 11.)
E em outro logar ainda diz-nos que
A _celeuma medonha_ se alevanta
No rudo marinheiro que trabalha.
(Lus. II, 25.)
Mas, se é inconveniente a gritaria dos marinheiros, bem pelo contrario
é necessario que o official que commanda a manobra tenha voz sonora
e vibrante, que domine o ruido do temporal e incuta coragem nos
subordinados. Por isso nos Lusiadas, quando ruge a tempestade e é
preciso que _não falte accordo_, o mestre dá as vozes do commando

_rijamente_ e _a grandes brados_ (Lus. VI, 71, 72.)
Quando o seu navio fundeou no porto, começam para o homem do mar
dias mais alegres e socegados que os passados na viagem. É então que
elle se esquece da vida que levou durante tanto tempo e vae a terra,
Que não ha nenhum d'elles que não sáia,
(Lus. IX, 66.)
como gente que é
De ver cousas estranhas desejosa
Da terra.
(Lus. V, 26.)
Ahi encontra sempre divertimentos, e quando os não encontra,
improvisa-os. Outras vezes
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