cerca de dois annos, e foi ahi que terminou e
aperfeiçoou o seu poema, feito quasi todo já durante o tempo em que
elle esteve em Macau, já durante as suas viagens e expedições, pois diz
elle dirigindo-se ás Nymphas do Tejo e do Mondego:
Olhae que ha tanto tempo que _cantando_
O vosso Tejo e os vossos
Lusitanos
A fortuna me traz perigrinando,
Novos trabalhos vendo e
novos damnos,
Agora o mar, agora exp'rimentando
Os _perigos
mavorcios_ inhumanos;
Qual Canace, que á morte se condena,
_N'uma mão sempre a espada e n'outra a penna._
(Lus. VII, 79.)
Finalmente, em 1569, arribou a Moçambique a armada que regressava
ao reino, e na qual íam os amigos do Poeta, os quaes, tendo pago as
suas dividas, o trouxeram a Portugal na nau _Santa Clara_, «nau a mais
rica, diz o sr. visconde de Juromenha, que tinha vindo de carreira da
India, pois trazia a seu bordo Luiz de Camões e Diogo do Couto.»
Fundeou a nau na bahia de Cascaes em abril de 1570, e assim
terminaram as longas perigrinações do Poeta.
Dez annos depois, a 10 de junho de 1580, morria Luiz de Camões,
pobre e desamparado, e «vereis todos, escrevia elle pouco antes de
deixar o mundo, que fui tão affeiçoado á minha patria, que não sómente
me contentei de morrer n'ella, mas de morrer com ella!»
III
Temos visto como Luiz de Camões percorreu em repetidas viagens o
Oceano Atlantico e o Indico, o mar da China e os Estreitos. Para
vermos como a sua intelligencia superior aproveitou este longo
tirocinio, appropriando-se e, por assim dizer, assimilando-se tudo
quanto observára, phenomenos do mar, costumes dos marinheiros,
sciencia de navegação, etc., basta abrir o seu immortal poema, porque
ahi, sempre que elle tem de se referir ás cousas do mar, fal-o com a
maxima propriedade, com toda a verdade de descripção.
Respiguemos, pois, n'essa vasta campina de tantas flores e fructos.
A vida do marinheiro tem tormentos e prazeres desconhecidos aos
homens de terra. A lucta constante com os elementos torna-o _rudo_,
epitheto que o Poeta a miude lhe dá. A monotonia dos longos dias em
que se não vê _mais que mar e céu_ (Lus. V, 3), faz com que elle
procure abreviar o tempo com historias e contos, torna-o investigador
curioso das cousas novas que vae vendo. A saudade da patria faz-lhe
alvoroçar o coração com a lembrança d'ella, e é por isso que elle
procura ser o primeiro a dar o alegre brado de--«Terra á vista!»--brado
que faz esquecer todos os trabalhos e males passados.
Tudo isto observou Camões.
Deixa o marinheiro a patria e despede-se dos parentes e amigos, que o
vão acompanhar ao embarque, não fallando nos curiosos que não
perdem o imponente espectaculo que offerece um navio ao fazer-se de
véla. Concorre pois, muita gente,
Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver sómente,
Saudosos na vista e descontentes.
(Lus. IV, 88.)
Os que deixam a patria vão
Para os bateis caminhando.
(Lus., ibidem.)
Não o fazem a olhos enxutos; as lamentações dos que os acompanham
redobram de intensidade á medida que se aproxima a hora fatal; a
extrema afflicção faz perder a esperança do regresso; lamentam-se
todos,
As mulheres c'um choro piedoso,
Os homens com suspiros que
arrancavam;
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais
desconfia, acrescentavam
A desperação e frio medo
De já nos não
tornar a ver tão cedo
(Lus. IV, 89.)
É doloroso aquelle transe, mas o dever e a necessidade fazem calar a
voz do coração. Para evitar mais lagrimas esconde-se a hora exacta da
partida, e embarcam-se
Sem o despedimento costumado.
(Lus. IV, 93.)
E partem, ficando-lhes,
na amada terra
O coração, que as maguas lá deixavam,
(Lus. V, 3.)
Dura ha muitos dias a viagem. O vento é de feição, o mar plano, os
horisontes claros e extensos. Navega-se de escota folgada. O
commandante,
já cansado
De vigiar a noite,
Breve repouso aos olhos dava.
(Lus. II, 60.)
Dá meia noite, rendem-se os quartos,
Os do quarto da prima se deitavam,
Para o segundo os outros
despertavam
(Lus. VI, 38.)
Como é desagradavel deixar o conchego da maca ou do beliche,
quando estavamos no melhor do somno, quando talvez a imaginação
nos tinha transportado á patria _em dôces sonhos que mentiam_, para ir
fazer um quarto em cima da tolda, aguentando o aspero frio da noite!
Por isso os pobres marinheiros
Vencidos vem do somno, e mal despertos,
Bocejando a miude, se
encostavam
Pelas antenas, todos mal cobertos
Contra os agudos
ares que assopravam;
Os olhos contra seu querer abertos,
Mas
esfregando, os membros estiravam.
(Lus. VI, 39.)
Não ha manobras a fazer, não ha cousa alguma que distráia, porque,
com tempo tão excellente, só é preciso estar álerta. Como se hão de
passar aquellas quatro horas e afugentar o somno teimoso?
Remedios contra o somno buscar querem,
Historias contam, casos
mil referem,
(Lus., ibidem.)
E ahi começa o orador, o _beau-diseur_
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