Luar de Janeiro | Page 5

Augusto Gil
14)
O sabio tem os olhos da razão
Além desses que tu na fronte levas,

Oh nescio que sem guia e sem bordão
Vaes pela vida a caminhar nas
trevas...
(_E d'ahi? E depois?
Se surge um incidente,
Fere indistinctamente

Ou ambos elles, ou qualquer dos dois_...)
V
_A Adelaide Gil, minha irmã_
Todas as coisas caminham a um logar: de terra foram feitas e em terra
se hão de tornar do mesmo modo.
(Capit. III, v. 3).
Mas o que é, afinal, a perfeição?
Como é que tudo, oh sabios, evolue

_Se as coisas todas caminhando vão
Para um egual e unico logar,


Se o pó que as constitue
Em pó se hade tornar_?
VI
_A Eduardo Graça_
Todas as coisas teem seu tempo e todas ellas passam debaixo do céu
segundo o termo que a cada uma foi prescripto.
(Capit. III, v. 2).
Socega, coração attribulado,
De toda a dôr se apaga todo o traço.

Pois quanto ao mundo vem, traz já marcado
_O seu tempo e tambem
o seu espaço_...
E queira Deus, coração,
Que esta hora de anciedade
E de pranto e
d'afflicção
--Nunca te cause saudade!...
A CANÇÃO DAS PERDIDAS
A Vianna da Motta
I
Quem por amôr se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Uma das
santas do céu
--É Maria Magdalena...
II
Minha mãe foi o que eu sou.
Eu sou o que tantas são.
Que triste
herança te dou,
Filha do meu coração!
III
Meu pae foi para o degredo
Era eu inda pequena.
Se não morresse
tão cedo,
Morria agora--de pena...
IV

E ha no mundo quem afronte
Uma mulher quando cae!
Nasce agua
limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vae...
V
Aquelle que me roubou
A virtude de donzella
Se outra honra lhe
não dou,
--É porque só tive aquella!...
VI
Nós temos o mesmo fado,
Oh fonte d'agua cantante,
Quem te quer,
pára um boccado.
Quem não quer, pássa adeante...
VII
O meu amôr, por amal-o,
Poz-me o peito numa chaga:
Deu-me
facadas. Deixal-o.
Mas ao menos não me paga!
VIII
Nem toda a agua do mar
Por estes olhos chorada
Daria bem a
mostrar
O que eu sou de desgraçada!
IX
Como querem vêr contente
Este paiz desgraçado,
Se dão só livros á
gente
Nas escolas do peccado...
X
Dormia o meu coração
Cançado de fingimento.
Bateste-me, e vae
então
Acordou nesse momento.
XI
Se aquillo que a gente sente,
Cá dentro, tivesse vóz,
Muita gente...
toda a gente
Teria pena de nós!

CARTA A UM RAPAZ SENTIMENTAL
«Um mover d'olhos brando e piedoso
Sem vêr de quê; um riso brando
e honesto
Quasi forçado; um doce e humilde gesto
De qualquer
alegria duvidoso

Um encolhido ousar; uma brandura,
Um medo sem ter culpa; um ar
sereno,
Um longo e obediente soffrimento.

Camões
Num quente e perturbante fim de tarde,
Cujo magnetico e profundo
enlevo
Ainda agora em mim crepita e arde,
Como se fosse a tarde
em que te escrevo,
Ergui os olhos distrahidamente,
A ver se já brilhava alguma estrella

No concavo do céu opalescente
--E vi, numa varanda, os olhos
della...
Do episodio que acabo de contar-te
Tão simples, tão banal, que dá
vontade,
Para lhe pôr um boccadinho d'arte,
De lhe roubar um
pouco de verdade,
Foi que este amor espiritual nasceu,
Nasceu, cresceu e se tornou
eterno...
Repara, amigo, como olhando o céu
A gente, ás vezes,
póde achar o inferno.
Mas quem podia então adivinhal-o?
O olhar dessa mulher era tão
lindo
Que deslumbrado me fiquei a olhal-o.
Descera a noite. A lua
ia subindo...
Era lua cheia e, para mais, d'agosto;
Dava em toda a varanda. Assim,
eu via
As fórmas portuguêsas do seu rosto
Nitidamente, como á luz

do dia.
E cá dentro de mim senti nascer
A dúvida, a incerteza, a hesitação

Sobre o que mais desejaria ser:
Se o noivo della, se o primeiro
irmão...
Uma estrella cadente reluziu
Por sobre as torres da vizinha egreja,

Pensei commigo: Deus o decidiu:
É minha noiva que Elle quer que
seja.
Não dizia ventura, mas desgraça,
A claridade do signal aereo.
(Na
mesma direcção da egreja, passa
A rua que vae dar ao cemiterio...)
Porém, como querendo agradecer-me
A decisão que attribuira a Deus,

Inclinou-se de leve para ver-me
E os doces olhos demorou nos
meus.
Sob a caricia desse olhar cinzento,
Que ao abaixar-se parecia negro,

O coração que me batia lento,
Mudou o andamento para alegro.
Uma hora decorreu. Outras passaram.
Passaram, foram-se; e naquelle
enleio
Que tempo os nossos olhos conversaram!...
Estava a noite já
em mais de meio.
Vinha dos montes uma brisa ardente.
O céu ganhára tons d'azul
cobalto.
O luar cahia silenciosamente.
Na sombra, os rouxinoes
cantavam alto.
Arrependidos, ou então, cançados
De se fitarem com demora em mim,

Os seus olhos piedosos e sagrados
Ao dialogo d'amor puzeram fim.
Desviára-os; e entre as palpebras discretas,
Poisára-os nas mãos
claras e pequenas,
Como se foram duas borboletas
Voando para
duas assucenas.
Ergueu-se. O busto delicado e fino
Tinha os suaves, religiosos traços


Da Virgem num altar. Só o Menino
Faltava na doçura dos seus
braços...
Num olhar impregnado de candura,
Disse-me adeus e recolheu.
Depois...
A luminosa noite fez-se escura.
Calaram-se na sombra os
rouxinoes.
Entrei em casa e quiz dormir. Raiára
A madrugada sem que o
conseguisse.
Quem um sonho tão limpido sonhára,
Inutil se tornava
que dormisse...
Annos felizes neste amor gastei.
Vieram em seguida as horas más.

O que nellas
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