Lendas e Narrativas | Page 6

Alexandre Herculano
foi precipitar-se com elle do barrocal abaixo.
Era por isso que o conde ��a cingido de corda e descal?o ap��s os frades e a tumba. Queria fazer penitencia no mosteiro por haver quebrado o juramento que tinha feito a seu pae.
As almas da condessa e do gardingo cahiram de chofre no inferno por terem deixado a vida em adulterio, que �� peccado mortal.
Desde esse tempo as duas miseraveis almas teem apparecido a muita gente nos desvios da Biscaia: ella vestida de branco e vermelho, assentada nas penhas cantando lindas toadas: elle retou?ando ahi perto, na figura de um onagro.
Tal foi a historia que o velho abbade contou a meu pae, e que elle me relatou a mim antes de ��r cumprir sua penitencia nessa guerra de mouros que lhe foi t?o fatal."
Assim concluiu Inigo Guerra. Brearte, o pagem Brearte, sentia os cabellos arripiarem-se-lhe. Por largo tempo ficou immovel defronte de seu senhor: ambos elles em silencio. O mo?o rico-homem n?o podia engulir bocado.
Tirou por fim da escarcela a carta de D. Diogo para a tornar a ler. As miserias e lastimas que ahi recontava eram taes, que D. Inigo sentiu o pranto gotejar-lhe abundante pelas faces abaixo.
Ent?o ergueu-se da mesa para se ��r deitar. Nem o bar?o nem o pagem pregaram olho toda a noite; este de medroso, aquelle de desconsolado.
E nos ouvidos de Inigo Guerra soavam cont��nuo as palavras de Brearte:--Porque n?o ides �� serra procurar vossa m?e?--S�� por encantamento seria de feito poss��vel tirar das unhas dos mouros o nobre senhor de Biscaia.
Rompeu, finalmente, a alvorada.
* * * * *
TROVA TERCEIRA
1
Mensageiros ap��s mensageiros, cartas sobre cartas s?o vindos de Toledo a Inigo Guerra. Elrei de Le?o resgatava todos os dias seus cavalleiros por cavalleiros mouros; mas n?o tinha wali ou kaid captivo, que podesse dar em troca por t?o nobre senhor como o senhor de Biscaia.
E muitos dos redemidos eram das bandas das serras: e estes, trazendo as mensagens, contavam ainda mais lastimas do velho D. Diogo Lopes, do que, se �� poss��vel, essas de que resavam as cartas.
"�� porta do agui?o em Toledo--diziam elles--tem a mourisma um grande campo todo mui bem apalancado: aqui fazem grandes festas, guinolas, e touros nos dias dos seus perros sanctos, segundo l�� lhos pr��gam e determinam khatibs e ulem��s.
"Gaiolas de bestas-feras muitas ha ah��, cousa mui de v��r e pasmar: os tigres e le?es n?o as rompem; romp��-las m?os de homens, f?ra pequice s��mente o imagina-lo.
"N'uma destas pris?es, quasi n��, com adovas de p��s e m?os, est�� o illustre rico-homem, que j�� foi capit?o de grandes e lustrosas mesnadas."
"Cortezes costumam ser mouros com seus captivos fidalgos. Fazem esta perraria a D. Diogo Lopes, porque j�� s?o passados tres annos, e n?o ha v��r seu resgate."
E os peregrinos que vinham do captiveiro e relatavam taes cousas, bem ceados e agasalhados no castello, iam-se no outro dia com Deus, levando prov��da a escarcela, e em boa e sancta paz.
Quem n?o ficava em paz era D. Inigo:--"Porque n?o vaes tu �� serra?"--dizia-lhe uma voz ao ouvido.--"Porque n?o ides procurar vossa m?e?"--repetia-lhe o pagem Brearte.
Que lhe havia de fazer? Uma noite inteira levou em claro a pensar nisso. Pela manhan, a Deus e �� sorte, ei-lo que emfim se resolve a tentar a aventura, bem que de seu mau grado.
Benzeu-se vinte vezes, para n?o ter l�� de persignar-se. Resou o Pater, a Ave, e o _Credo_; porque n?o sabia se em breve essas ora??es seriam cousa de recordar-se.
E seguido de um mastim seu predilecto, a p�� e com um ven��bulo na m?o, foi-se atrav��s das brenhas por uma vereda que dizia para os pincaros tristes e ermos, onde era tradi??o que a linda dama linha apparecido a seu pae.
2
Trinam os rouxinoes nos balseiros, murmuram ao longe as aguas dos regatos; ramalha a folhagem brandamente com a vira??o da manhan: vae uma linda madrugada.
E Inigo Guerra galga manso e manso os carris empinados, trepa de barrocal em barrocal, e apesar de seu muito esfor?o, sente bater-lhe o cora??o com ancia desacostumada.
Onde as matas faziam alguma clareira, ou as penhas alguma chapada, D. Inigo parava um pouco tomando o folego, e pondo-se a escutar.
Muito havia que andava embrenhado: o sol ��a alto, e o dia calmoso: ao canto do rouxinol seguira o piar da cigarra.
E encontrou uma fonte que rebentava de rochedo negro, e saltando de aresta em aresta vinha cahir em almacega tosca, onde o sol parecia dan?ar no bolir das ondasinhas, que fazia o despenho da cascata.
D. Inigo assentou-se �� sombra da rocha, e tirando a sua monteira matou a s��de que trazia, e poz-se a lavar o rosto e a cabe?a do suor e p��, que n?o lhe faltava.
O mastim, depois de beber, deitou-se ao p�� delle, e com a lingua pendente arquejava de cansado.
De repente o c?o poz-se em p��, e arremetteu com um
Continue reading on your phone by scaning this QR Code

 / 76
Tip: The current page has been bookmarked automatically. If you wish to continue reading later, just open the Dertz Homepage, and click on the 'continue reading' link at the bottom of the page.