Lendas e Narrativas | Page 5

Alexandre Herculano
nobre conde f?ra quem destas mudan?as o avis��ra. Do��am-lhe tantos folgares e contentamentos; do��a-lhe a honra de seu senhor, pelo que elle via e pelo que se murmurava.
Eis-aqui como se pass��ra o caso:
7
Longe do condado do illustre bar?o Argimiro o Negro, para as bandas de Galliza, vivia um nobre gardingo--como quem dissesse infan??o--gentil homem e mancebo, chamado Astrigildo o Alvo.
Contava vinte e cinco annos; os sonhos das suas noites eram de formosas damas; eram de amores e deleites; mas ao romper da manhan todos elles se desfaziam, que ao sa��r ao campo n?o via sen?o pastoras tostadas do sol e das neves, e as servas grosseiras do seu solar.
Destas estava elle farto. Mais de cinco tinha enganado com palavras; mais de dez comprado com ouro; mais de outras dez, como nobre e senhor que era, brutamente violado.
Com vinte e cinco annos, j�� no livro da justi?a divina se lhe haviam escripto mais de vinte e cinco grandes maldades.
Uma noite sonhou Astrigildo que corria serras e valles com a rapidez do vento, montado em onagro silvestre, e que, depois de correr muito, chegava alta noite a um solar, onde pedia agasalho:
E que formosa dama o recebia, e que em poucos instantes um do outro se enamorava.
Acordou sobresaltado; e durante o dia inteiro n?o pensou em outra cousa sen?o na formosa dama que v��ra nos sonhos da madrugada.
Tres noites se repetia o sonho: tres dias o mancebo scismava. Encostado �� varanda de um eirado, na tarde do terceiro dia, olhava triste para as montanhas do norte, que via l�� no horisonte como nuvens pardacentas. O sol come?ou a descer no poente, e ainda elle estava embebido em seu melancholico scismar.
Por acaso volveu ent?o os olhos para o terreiro que lhe ficava por baixo: um onagro da floresta estava ahi deitado como se fosse manso jumento: era inteiramente semelhante ��quelle com que havia sonhado.
Sonhos de tres noites a fio n?o mentem: Astrigildo desceu �� pressa ao terreiro: o onagro quieto deixou-se enfrear e selar; e a Deus e �� ventura, o mancebo cavalgou nelle e deitou pela encosta abaixo.
Cumpria-se tudo �� risca: o onagro n?o corria, voava.
Mas o ceu come?ou de toldar-se com o anoitecer: a escurid?o cresceu e desfechou em vento, trov?es, chuva e raios. O mancebo come?ava a perder o tino, e o onagro dobrava a carreira, e bufava violentamente. Parou, emfim, a horas mortas. Sem saber como, Astrigildo achou-se junto das barreiras de um solar acastellado.
Tocou a sua buzina, que deu um som prolongado e tr��mulo, porque elle tremia de susto e de frio. Apenas cessou de tocar, a ponte levadi?a desceu, muitos escudeiros sa��ram a recebe-lo entre tochas, e as salas dos pa?os illuminaram-se.
Era que tambem a condessa tinha por tres noites sonhado!
* * * * *
8
A clepsidra marca a hora de sexta nocturna, e ainda dura o sarau no solar do conde de Biscaia; porque a nobre condessa e o gentil Astrigildo assistem ��s dan?as e jogos dos libertos e servos, que para elles espairecerem folgam l�� na sala d'armas. Mas n'um aposento baixo do solar um homem est�� em p�� com um punhal na m?o, olhar furibundo, e o cabello eri?ado, parecendo escutar longinqua toada.
Outro homem est�� diante delle dizendo-lhe:--Senhor, ainda n?o �� tempo para punir o grande peccado. Quando elles se recolherem, aquella luz que v��des acol�� ha-de apagar-se: subi ent?o, e achareis desempedido o caminho secreto para a camara, que �� a mesma do vosso noivado."
E o que falava saiu, e d'ahi a pouco a luz apagou-se, e o homem dos cabellos hirtos e do olhar esgazeado subiu por uma ingreme e tenebrosa escada.
* * * * *
9
Quando pela manhan cedo o conde Argimiro do seu balc?o principal ordenava que levassem o corpo da condessa a um mosteiro de Donas, que elle fund��ra para ahi ter seu moimento, elle e os de sua casa, e dizia aos homens de armas que arrastassem o cadaver de Astrigildo, e o despenhassem de um grande barrocal abaixo, viu um onagro silvestre deitado a um canto do pateo.
"Um onagro assim manso �� cousa que nunca vi:--disse elle ao villico, que estava alli ao p��.--Como veio aqui este onagro?"
O villico ��a a responder, quando se ouviu uma voz: dir-se-hia que era o ar que falava.
"Foi nelle que veio Astrigildo: ser�� elle que o levar��. Por ti ficaram orph?os os filhinhos do onagro, mas por via do onagro ficaste, oh conde, deshonrado. Foste cr�� com as pobres feras: Deus acaba de vinga-las."
"Misericordia!--bradou Argimiro, porque naquelle momento se lembrou da maldicta ca?ada.
Neste momento os homens do conde sa��am com o cadaver sangrento do mancebo: o onagro, apenas o viu, saltou como um le?o no meio da turba, que fez fugir, e segurando com os dentes o morto, arrastou-o para f��ra do castello, e, como se tivesse em si uma legi?o de demonios,
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