padre superior, tudo para esconjurar aquela obra do inferno... e nada fiz... sem for?a na vontade, nada fiz... nada fiz, sem governo no corpo!...
E fui andando, como levado, para mais de perto ver, e n?o perder de ver o espantoso
Porém logo outra for?a acalmou tudo; apenas a água fumegante continuou retorcendo os lodos remexidos, onde boiava toda uma mortandade dos viventes que morrem sem gritar...
Era no fim de lan?ante comprido, estrada batida e limpa, de todos os dias as mulheres irem para a lavagem; e quando eu estava na beira da água, vendo o que estava vendo, ent?o rompeu dela um clar?o, maior que o da luz a pino do dia, clar?o vermelho, como dum sol morrente, e que luzia desde o fund?o da lagoa e varava a água barrenta...
E veio crescendo para a barranca, e saiu e tomou terra, e sem medo e sem amea?a veio andando para mim a sempre escapada maravilha..., maravilha que os que nunca viram juravam sempre ser — verdade — e que eu, que estava vendo, ainda jurava ser — mentira! —
Era a teiniaguá, de cabe?a
de cabe?a de pedra luzente, por sem dúvida; dela já tinha ouvido ao padre superior a historia contada dum encontradi?o que quase cegou de teimar em agarrá-la.
Entrecerrei os olhos, coando a vista, cautelando perigo; mas a teiniaguá veio me chegando, deixando no ch?o um duro rastro d’água que escorria e logo secava, do seu corpinho verde de lagartixa engra?ada e buli?osa...
Lembrei-me — como quem olha dentro de cerra??o — lembrei-me do corria na voz da gente sobre o entanguimento que traspassa o nosso corpo na hora do encantamento: é como o azeite fino no couro ressequido...
Mas n?o perdi de todo a retentiva: pois que da água saía, é que na água viveria. Ali perto, entre os capins, vi uma guampa e foi o quanto agarrei dela e enchi-a na lagoa, ainda escaldando, e frenteei a teiniaguá que, da vereda que levava, entreparou-se, tremente, firmando nas patinhas da frente, a cabe?a cristalina, como curiosa, faiscando...
De olhos apertados, piscando, para me n?o atordoar dum golpe de cegueira, assentei no ch?o a guampa e preparando o bote, num repente, entre susto e coragem, segurei a teiniaguá e meti-a para dentro dela!
Neste passo senti o cora??o como que martelar-me no peito e cabe?a sonando como um sino de catedral...
Corri para o meu quarto, casa grande dos santos padres. Entrei pelo cemitério, por detrás da igreja, e desatinado, derrubei cruzes, pisoteei ramos, calquei sepulturas!...
Todo o povo sesteava; por isso ninguém viu.
Fechei a guampa dentro da canastra e fiquei estatelado, pensando.
Pelo falar do padre superior eu bem sabia que quem prendesse a teiniaguá ficava sendo o homem mais rico do mundo; mais rico que o Papa de Roma, e o imperador Carlos Magno e o rei da Trebizonda e os Cavaleiros da Tábola...
Nos livros que eu lia estes todos eram os mais ricos que conhecia.
E eu, agora!...
E n?o pensei mais dentro da minha cabe?a, n?o; era uma cousa nova e esquisita: eu via, com os olhos, os pensamentos diante deles, como se fossem cousas que se pudesse tantear com as m?os...
E foram se escancarando as portas de castelos e palácios, onde eu entrava e saía, subia e descia escadarias largas, chegava ás janelas, arredava reposteiros, deitava-me em trastes que nunca tinha visto e servia-me em baielas estranhas, que eu n?o sabia para o que prestavam...
E foram-se estendendo e alargando campos sem fim, perdendo o verde no azul das distancias, e ainda lindando com outras estancias, que também eram minhas e todas cheias de gadaria, rebanhos e manadas...
E logo cancheava erva nos meus ervais, cerrados e altos como o mato virgem...
E atulhava de planta colhida — milho, feij?o, mandioca — os meus paióis.
E detrás das minhas camas, em todos os quartos dos meus palácios, amontoava surr?es de ouro em pó e pilhotes de barras de prata; dependuradas na galha??o de cem cabe?as de cervo, tinha bolsas de couro e de veludo atochadas de diamantes, brancos como gotas d’água filtrada em pedra, que os meus escravos — saídos mil, chegados dez —, tinham ido catar nas profundas do sert?o, muito para lá duma cachoeira grande, em meia lua, chamada de Igua?u, muito p’ra lá doutra cachoeira grande, de sete saltos, chamada de Iguaíra...
Tudo isto eu media e pesava e contava, até cair de cansa?o; e mal que respirava um descanso, de novamente, de novamente pegava a contar, a pesar, a medir...
Tudo isto eu podia ter — e tinha, de meu, tinha! —, porque era dono da teiniaguá, que estava presa dentro da guampa, fechada na canastra forrada de couro cru, taxeada de cobre, dobradi?as de bronze!...
Aqui ouvi o sino da torre badalando para a ora??o da meia-tarde...
Pela primeira vez n?o fui eu que toquei: devia ser um dos padres, na minha falta.
Todo o povo sesteava, por isso
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