ninguém viu.
Voltei a mim. Lembrei-me de que o animalzinho precisava alimento.
Tranquei portas e janelas e saí para buscar um porongo de mel de lechiguana, por ser o mais fino.
E fui; melei; e voltei.
Abri sutil a porta e tornei a fechá-la ficando no escuro.
E quando descerrei a janela e andei para a canastra a tirar a guampa e libertar a teiniaguá para comer o mel, quando ia fazer isso, os pés se me enraizaram, os sentidos do rosto se ariscaram e o cora??o mermou no compassar do sangue!...
Bonita, linda, bela, na minha frente estava uma mo?a!...
Que disse:
IV
— Eu sou a princesa moura encantada, trazida de outras terras por sobre um mar que os meus nunca sulcaram... Vim, e Anhangá-pit? transformou-me em teiniaguá de cabe?a luminosa, que outros chamam o — carbúnculo — e temem e desejam, porque eu sou a rosa dos tesouros escondidos dentro da casca do mundo...
Muitos tem me procurado com o peito somente cheio de torpeza, e eu lhes hei escapado das m?os ambicioneiras e dos olhos cobi?osos, relampejando desdenhosa o lume vermelho da minha cabe?a transparente...
Tu, n?o; tu n?o me procuraste ganoso... e eu subi ao teu encontro; e me bem trataste pondo água na guampa e trazendo mel fino para o meu sustento.
Si quiseres, tu, todas as riquezas que eu sei, entrarei de novo na guampa e irás andando e me levarás onde eu te encaminhar, e serás senhor do muito, do mais, do tudo!...
A teiniaguá que sabe dos tesouros, sou eu, mas sou também a princesa moura...
Sou jovem... sou formosa..., o meu corpo é rijo e n?o tocado!...
E estava escrito que tu serias o meu par.
Serás o meu par... se a cruz do teu rosário me n?o esconjurar... se n?o, serás ligado ao meu flanco, para, quando quebrado o encantamento, do sangue de nós ambos nascer uma nova gente, guapa e sábia, que nunca mais será vencida, porque terá todas as riquezas que eu sei e as que tu lhe carrearás por via dessas!...
Si a cruz do teu rosário n?o me esconjurar...
Sobre a cabe?a da moura amarelejava nesse instante o crescente dos infiéis...
E foi se adelga?ando
no silêncio a cadencia em balante da fala induzidora.
A cruz do meu rosário...
Fui passando as contas, apressado e atrevido, come?ando na primeira... e quando tenteei a ultima... e que entre as duas os meus dedos, formigando, deram com a Cruz do Salvador... fui levantando o Crucificado... bem em frente da bruxa, em salvatério... na altura do seu cora??o... na altura da sua garganta... da sua boca... na altura dos...
E aí parou, porque olhos de amor, t?o soberanos e cativos, em mil vidas de homem como o aroma sai da flor que vai apodrecendo...
Cada noite
era meu ninho o rega?o da moura; mas quando batia a alva, ela desaparecia ante a minha face cavada de olheiras...
E crivado de pecados mortais, no adjutório da missa trocava os amém, e todo me estortegava e doía quando o padre lan?ava a ben??o sobre a gente ajoelhada, que rezava para alivio dos seus pobres pecados, que nem pecados eram, comparados com os meus...
Uma noite ela quis misturar o mel do seu sustento com o vinho do sacrifício; e eu fui, busquei no altar o copo de ouro consagrado, todo lavorado de palma e resplendores; e trouxe-o, transbordante, transbordando...
E embebedados caímos, abra?ados.
Sol nado, despertei
estava cercado pelos santos padres.
Eu, descomposto; no ch?o o copo, entornado; sobre o oratório, desdobrada, uma charpa de seda, lavrada de bordaduras, exóticas, onde sobressaía uma meia-lua prendendo entre as aspas uma estrela... E acharam a canastra guampa e no porongo o mel... e até no ar farejaram cheiro mulherengo... Nem tanto era preciso para ser logo jungido em manilhas de ferro.
Afrontei o arrocho da tortura, entre ossos e carnes amachucadas e unhas e cabelos repuxados. Dentro das paredes do segredo n?o havia gritos nem palavras grossas; os padres remordiam a minha alma, prometendo o inferno eterno e exprimiam o meu arquejo decifrando uma confiss?o...; mas a minha boca n?o falou..., n?o falou por senha firme da vontade, que n?o me palpitava confessar quem era ela e que era linda...
E raivado entre dois amargos desesperos n?o atinava sair deles: se das riquezas, que eu queria só p’ra mim, se do seu amor, que eu n?o queria que fosse sen?o meu, inteiro e todo!
Mas por senha da vontade a boca n?o falou.
Fui sentenciado a morrer pela morte do garrote, que é infame; condenado fui por ter dado passo errado com bicho imundo, que era bicho e mulher moura, falsa, sedutora e feiticeira.
No adro e no largo da igreja o povo ajoelhado batia nos peitos, clamando a morte do meu corpo e a misericórdia para a minha alma.
O sino come?ou dobrando a finados. trouxeram-me em bra?os, entre alabardas e lan?as, e um cortejo moveu-se ,compassando a gente d’armas, os santos padres, o carrasco e o povaréu.
Dobrando
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