Lendas do Sul | Page 6

J. Simões Lopes Netto
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No tranquito ia, cantando, e pensando na sua pobreza, no atraso das suas cousas.
No atraso das suas cousas, desde o dia em que topou — cara à cara! — com o Caipora num campestre da serra grande, p’ra lá, muito longe no Botucaraí...
A lua ia recém saindo...; e foi à boquinha da noite...
Hora de agouro pois ent?o!...
Gaúcho valente que era dantes, ainda era valente agora; mas, quando cruzava o fac?o com qualquer paisano, o ferro da sua m?o ia mermando e o do contrario o lanhava...
Domador destorcido e parador, que, por só pabolajem gostava de paletear, ainda era domador agora; mas, quando gineteava mais folheiro, ás vezes, num redepente, era volteado...
De m?o feliz para plantar, que n?o lhe chochava semente nem muda de raiz se perdia, ainda era plantador, agora; mas, quando a semeadura ia apontando da terra, dava uma praga em toda, tanta, que benzedura n?o vencia...; e o arvoredo do seu plantio crescia entecado e mal floria, e quando dava fruta, era mixe e era azeda...
E assim, por esse teor, as cousas corriam-lhe mal; e pensando nelas o gaúcho pobre, Blau, de nome, ia, ao tranquito, campeiando, sem topar co’o boi barroso.
De repente, na volta duma reboleira, bem na beirada dum boqueir?o, sofrenou o tostado...: ali em frente, quieto e manso, estava um vulto, de face tristinha e mui branca.
Aquele vulto de face branca... aquela face tristonha!...
Já ouvira falar dele, sim, n?o uma nem duas, mas muitas vezes...; e de homens que o procuravam, de todas as pintas, vindos de longe, num propósito, para endrominas de encantamentos..., conversas que se falavam baixinho, como num medo; p’r’o caso, os que podiam n?o contavam, porque uns, desandavam apatetados e vagavam por aí, sem dizer cousa com cousa, e outros calavam-se muito bem calados, talvez por juramento dado...
Aquele vulto era o sant?o da salamanca do serro.

Blau Nunes sofrenou o cavalo.
Correu-lhe um arrepio no corpo, mas era tarde para recuar: um homem é para outro homem!...
E como era ele
quem chegava, ele é que tinha de louvar; saudou:
— Láus’ Sus’ Cris’!...3
— Para sempre, amem! disse o outro, e logo ajuntou: O boi barroso vai trepando serro acima, vai trepando... Ele anda cumprindo o seu fadário..4
Blau Nunes pasmou do adivinho; mas respostou:
— Vou no rastro!...
— Está enredado...
— Sou tapejara, sei tudo, palmo a palmo, até à boca preta do fumo do serro...
— Tu... tu, paisano, sabes a entrada da salamanca?...
— é lá?... Ent?o, sei, sei! A salamanca do serro do Jarau!... Desde a minha avó charrua, que eu ouvi falar!...
— O que contava a tua avó?
— A m?e da minha m?e dizia assim:

II
— Na terra dos espanhóis, do outro lado do mar, havia uma cidade chamada—Salamanca — onde viveram os mouros, os mouros que eram mestres nas artes de magia; e era numa furna escura que eles guardavam o cond?o mágico, por causa da luz branca do sol, que diz’ que desmancha a for?a da bruxaria...

O cond?o estava no rega?o de uma fada velha, que era uma princesa mo?a, encantada, e bonita como só ela!...
Num mês de quaresma os mouros escarneceram muito do jejum dos batizados, e logo perderam uma batalha muito pelejada; e vencidos foram obrigados ajoelharem-se ao pé da Cruz Bendita... e a baterem nos peitos, pedindo perd?o...
Ent?o, depois, alguns, fingidos de crist?os, passaram o mar e vieram dar nestas terras sossegadas, procurando riquezas, ouro, prata, pedras finas, gomas cheirosas... riquezas para levantar de novo o seu poder e al?ar de novo a Meia-Lua sobre a Estrela de Belém...

E para seguran?a das suas tra?as trouxeram escondida a fada velha, que era a sua formosa princesa mo?a...
E devia ter mesmo muito for?a o cond?o, porque nem os navios se afundaram, nem os frades de bordo desconfiaram, nem os próprios santos que vinham, n?o sentiram...

Nem admira, porque o cond?o das mouras encantadas sempre aplastou a alma dos frades e n?o se importa com os santos do altar, porque esses s?o só imagens...
Assim bateram nas praias da gente pampeana os tais mouros e mais outros espanhóis renegados. E como eles eram, todos, de alma condenada, mal puseram pé em terra, logo na meia noite da primeira sexta-feira foram visitados pelo Diabo deles, que neste lado do mundo era chamado de Anhangá-pit?5 e mui respeitado. Ent?o, mouros e renegados disseram ao que vinham; e Anhangá-pit? folgou muito; folgou, porque a gente nativa daquelas campanhas e destas serras era gente sem cobi?a de riquezas, que só comia a ca?a, o peixe, a fruta e as raízes que Tup? despejava sem conta, para todos, das suas m?os sempre abertas e fazedoras...
Por isso Anhangá-pit? folgou, porque assim minava para o peito dos inocentes as maldades encobertas que aqueles chegados traziam...; e pois, escutando o que eles ambicionavam para vencer a Cruz com a for?a do Crescente, o maldoso pegou do cond?o
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