Lendas do Sul | Page 5

J. Simões Lopes Netto
iam alumiando ba?amente as carquejas... E depois, choravam. Choravam, desatinados do perigo, pois as suas lágrimas também guardavam tanta ou mais luz que só os olhos e a boi-tátá ainda cobi?ava os olhos vivos dos homens, que já os da carni?a enfaravam...

VIII
Mas, como dizia:
na escurid?o só avultava o clar?o ba?o do corpo da boi-tátá , e era por ela que o téu-téu cantava de vigia, em todos os flancos da noite.
Passado um tempo, a boi-tátá morreu; de pura fraqueza morreu, porque os olhos comidos encheram-lhe o corpo mas n?o lhe deram sustancia, pois que sustancia n?o tem a luz que os olhos em si entranhada tiveram quando vivos...
Depois de rebolar-se rabiosa nos montes de carni?a, sobre os montes pelados, sobre as carnes desfeitas, sobre as cabelamas soltas, sobre as ossamentas desparramadas, o corpo dela desmanchou-se, também como cousa da terra, que se estraga de vez.
E foi ent?o que a luz que estava preza se desatou por aí.
E até pareceu cousa mandada: o sol apareceu de novo!

IX
Minto:
apareceu, sim, mas veio de sopet?o. Primeiro foi se adelga?ando o negrume, foram despontando as estrelas; e estas se foram sumindo no coloreado do céu; depois foi sendo mais claro, mais claro, e logo, na lonjura, come?ou a subir uma lista de luz... depois a metade de uma cambota de fogo... e já foi o sol que subiu, subiu, subiu até vir a pino e descambar, como dantes, e desta feita, para igualar o dia e a noite, em metades, para sempre.

X
Tudo o que morre no mundo se junta à semente de onde nasceu, para nascer de novo: só a luz da boi-tátá ficou sozinha, nunca mais se juntou com outra luz de que saiu.
Ainda sempre se arrisca e só, nos lugares onde quanta carni?a houve, mais se infesta. E no inverno, de entanguida, n?o aparece e dorme talvez entocada.
Mas de ver?o, depois da quentura dos morma?os, come?a ent?o seu fadário.
A boi-tátá , toda enroscada, como uma bola — tátá, de fogo! — empe?a a correr pelo campo, coxilha abaixo, lomba acima, até que horas da noite!...
é um fogo amarelo e azulado, que n?o queima a macega seca nem aquenta a água dos manantiais; e rola, gira, corre, corcoveia e se despenca e arrebenta-se, apagando... e quando menos se espera, aparece, outra vez, do mesmo jeito!
Maldito! T’esconjuro!

XI
Quem encontra a boi-tátá pode até ficar cego... Quando alguém topa com ela só tem dois meios de se livrar: ou ficar parado, muito quieto, de olhos apertados e sem respirar, até ir-se ela embora, ou se anda a cavalo, desenrodilhar o la?o, fazer uma armada grande e atirar-lha em cima, e tocar a galope, trazendo o la?o de arrasto, todo solto, até a ilhapa!
A boi-tátá vem acompanhado o ferro da argola... mas de repente batendo numa macega, toda se desmancha, e vai esfarinhando a luz, para emulitar-se de novo, com vagar, na aragem que ajuda.

XII
Campeiro precatado! reponte o seu gado da boi-tátá : o pasti?al, aí, faz peste...
Tenho visto!

*A SALAMANCA DO JARAU* A Alcides Maya

O Serro do Jarau 1 A salamanca 2

I
Era um dia...,
um dia, um gaúcho pobre, Blau, de nome, guasca de bom porte, mas que só tinha de seu um cavalo gordo, o fac?o afiado e as estradas reais, estava conchavado de posteiro, ali na entrada do rinc?o; e nesse dia andava campeando um boi barroso.
E no tranquito andava, olhando; olhando para o fundo das sangas; para o alto das coxilhas, ao comprido das canhadas; talvez deitado estivesse entre as carquejas — a carqueja é sinal de campo bom —, por isso o campeiro ás vezes al?ava-se nos estribos e, de m?o em pala sobre os olhos, firmava mais a vista entorno; mas o boi ]barroso, crioulo daquela querência, n?o aparecia; e Blau ia campeiando, campeiando...

Campeiando e cantando:

“Meu bonito boi barroso, Que eu já contava perdido, Deixando o rastro na areia Foi logo reconhecido.
“Montei no cavalo escuro E trabalhei logo de espora; E gritei — aperta, gente, Que o meu boi se vai embora! —
“No cruzar uma picada, Meu cavalo relinchou, Dei de rédea para a esquerda, E o meu boi me atropelou!
“Nos tentos levava um la?o De vinte e cinco rodilhas. P’ra la?ar o boi barroso Lá no alto das coxilhas!
“Mas o mato carrasquento Onde o boi ‘stava embretado, N?o quis usar o meu la?o P’ra n?o vê-lo retalhado
“E mandei fazer um la?o Da casca do jacaré, P’ra la?ar meu boi barroso Num redom?o pangaré.
“E mandei fazer um la?o Do couro da jacutinga, P’ra la?ar meu boi barroso Lá no passo da restinga.
“E mandei fazer um la?o Do couro da capivara P’ra la?ar meu boi barroso Nem que fosso à meia-cara;
“Este era um la?o de sorte, Pois quebrou do boi a balda”... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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