das
honras d'este mundo; é mais: a resignação não deixa caír o homem, que
olha sempre, com temor, o despenhadeiro, em que de ao pé de si se
abysmaram colossos, e ruiram edificios fundados sobre areia.
Levantado pela Providencia, o homem, que teme a Deus, não se julga,
no vertice das glorias, posto ahi pela mão do destino. Quem lhe
promette o dia de ámanhã, vinculado aos acontecimentos de hoje?
Quem lhe diz hoje que a taça do seu mel ha de ámanhã trasbordar de
lagrimas? Quem affiança á aguia, dominadora dos espaços, que, de
mais alto, o açor se libra para abate'-la nas urzes?
E, quando a nuvem do infortunio escurece aquellas alegrias, que
formavam o cortejo da nossa riqueza:--quando a sociedade nos retira os
contentamentos, vendidos pelo ouro, que perdemos... quem é esse
destino que accusamos? onde existe essa mentirosa fatalidade que nos
humilhou? onde encontraremos o primeiro acaso, que nos felicitára, e o
segundo que nos empobrecera? Não ha lagrimas que suavisem as
ferocidades da nossa sina, nem ameaças que a forcem a desmentir-se?
Será obrigatorio o punhal ou o veneno, porque estava escripto o meu
suicidio!?...
A providencia é a acção da Divindade.
O grande da terra julgára-se grande na terra pela providencia. Era um
magestoso edificio aos olhos da humanidade, e fragil barro entre as
mãos de Deus. Quando o sopro da desventura lhe assolou as columnas,
o grande, só, e proscripto das ovações, em que elle fôra o menos
laureado, era ainda o grande na desgraça, na esperança, na humildade,
na renuncia, e na confiança.
Esperava... o tumulo, e antes d'elle um saldo de contas com o mundo,
onde o rico deixa debitos enormes a solver.
Humilhava-se diante Deus, que o abatera, não como um cego destino,
mas como um decreto, sanccionado no céo, cumprido na terra, e
explicado no dia das tremendas explicações dos mysterios,
incompreensiveis aqui. Humilhava-se diante dos homens que nunca
humilhára; diante d'aquelles, que puderam abandona'-lo, mas não
escarnece'-lo pelo seu passado orgulho.
Renunciára quantas prerogativas o seu ouro lhe dera na sociedade;
quantas pompas lhe caíam ao encontro na sua estrada de flôres; quantas
esperanças idealisára, que mais o engrandecessem, na perspectiva do
mundo, sem adulterar as mercês do Creador.
Confiava na humildade da oração, no pão de cada dia, no repouso
providencial de cada noite, porque no mundo nenhuma existencia vira
abandonada, nem a da ave que se levanta com a aurora, e louva ao
Creador, e vae procurar o alimento, que não deixou de vespera.
VIII
Não é assim o cynico.
Herdára um thesouro que seus paes lhe prepararam; e preparára elle em
seu coração todos os elementos para augmenta'-lo.
Que o ouro augmenta, quando é lançado no cadinho da perversidade. E
o coração, ferido de avareza, é um segundo thesouro para quem herdou
o primeiro. O mais efficaz instrumento da caridade, o ouro, nas mãos
do avaro, converte-se em ferro de dois gumes: um que lhe entra no
proprio coração, outro no coração que lhe pede o obulo.
É assim o cynico.
Em cada degrau da sua escala de grandeza espirrava o sangue das faces
que calcava. Entre elle, e um circulo de victimas, que o rodearam,
fascinadas pelo brilho da sua auréola, erguia-se o anteparo da irreligião.
Quem lhe déra o sorriso feroz fôra a impiedade.
Quem lhe alimentara as ancias de cevar-se em gosos, adubados em
lagrimas e sangue, fôra a impiedade.
Quem lhe segredára os derradeiros segredos do crime, para que o enojo
de crimes repetidos lhe não esfriasse o amor sordido da vida, fôra a
impiedade.
Quem lhe disséra que no tumulo para dentro não ha pobres para repellir,
nem corôas de virgem para desfolhar, nem faces lagrimosas para cuspir,
nem amigos para vender a inimigos, fôra a impiedade.
IX
E, depois, a mão de Deus despenhou o cynico.
No tremedal, onde caíra, roeram-n'o os vermes dos cadaveres que elle
fizera.
E riu-se.
Cobriram-n'o os improperios, e os sarcasmos de tantos, que elle
enxovalhára, sacudindo-lhes ás faces a lama das ruas com as rodas do
seu carro insultuoso.
E riu-se.
Teve que aceitar uma esmola, que, por escarneo lhe lançou ao chapéo
um d'aquelles que lh'a pedira, em vão, anceado de fome.
E riu-se.
Bateu á porta de seus creados, que medravam nas prodigalidades do
amo: pediu um bocado de pão, e responderam-lhe de dentro com uma
gargalhada.
E riu-se.
Este é o cynico.
E quando lhe aconselharam o suicidio, riu-se, e riu até morrer porque a
morte de cynico é uma risada na blasphemia.
X
Lamentae o suicida, porque a sua ultima hora foi uma lucta horrivel
entre a desesperação, a incerteza, e, talvez a saudade.
Ao ver-se pobre no mundo, considerou-se o homem sem vida social;
mas a vida physica, onde as frechas do desprezo lhe rasgavam até o
coração, era-lhe uma algema
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